Cainita
Para os mortais, aparecemos em todos os tipos de disfarces. Para a maioria, não parecemos monstruosos; na verdade, parecemos bastante humanos; suas próprias suposições nos ocultam deles. No entanto, alguns não nos veem como eles próprios se veem, mas têm a profundidade de visão para arrancar a impureza de nosso rosto. Eles veem nossas almas devastadas nascendo em nosso rosto monstruoso e sabem nosso verdadeiro nome. Eles veem a Besta dentro de nós e sabem que não somos mortais. Na verdade, eles nos veem como não nos vemos. Deve ser um mundo horrível em que vivem.Por onde começar? Do assunto que falaremos, os séculos já viram muita tinta ser derramada. Surpreende-me a regularidade com a qual os mortais esbarram em verdades e meias verdades algumas delas bastante profundas pela mais casual e ardilosa das filosofias; e então, alheios ao que descobriram, prosseguem discutindo generalidades de natureza absolutamente equivocada. Para vós, mortais, somos monstros, mas também heróis a encarnação de metáforas sombrias e de desejos reprimidos, a aristocracia dos contos de fadas tão amados pelas crianças. Somos uma superstição infundada, um gênero artístico, uma condição psicológica, um anseio feito carne, uma exteriorização do complexo culpa-desejo-violência, e muitas outras coisas.Killian - Justicar Toreador
Basic Information
Anatomia
Embora nossa aparência externa permaneça muito semelhante à dos vivos, há aqueles dentre nós que insistem que a Mudança transforma o indivíduo em outra espécie Homo Sapiens Sanguineus, Homo Sapientissimus e Homo Vampiricus foram nomes propostos para a raça, de acordo com a classificação sueca.
Em todo o caso, não há controvérsia de que a psiquê sofre uma mudança tão radical quanto a do corpo. Perceberás com facilidade que a maior parte do que se segue não passa de conjecturas e não poderia ser de outra forma, visto que jamais foi possível dissecar um indivíduo de minha espécie.
As mudanças físicas mais evidentes estão de tal forma enraizadas na cultura popular que não tivemos escolha senão permitir que os ficcionistas as explorassem. Os dentes caninos são realmente longos e pontiagudos, para melhor sugarem sangue. Contudo, eles apenas alcançam sua extensão máxima no momento do ataque, permanecendo o resto do tempo retraídos em seus alvéolos pela contração de um tecido flexível na base. De outro modo, tanto a fala quanto a discrição seriam muito dificultadas. Alguns carecem dos meios para retrair seus dentes, mas esses são descobertos com facilidade, constituindo um clã em extinção.
Para nos alimentarmos, precisamos apenas morder, retirar os dentes da ferida e começar a sugar. Se após bebermos o sangue, lambermos o local, não restará qualquer sinal da nossa alimentação. Aliás, por esse meio somos capazes de curar completamente quaisquer ferimentos causados com nossas garras ou presas. Nossa pele, como a do vampiro cinematográfico, é invariavelmente pálida. Isso se deve,em parte, à nossa aversão à luz do sol, mas também a termos sido despertados em meio à nossa morte. Darüber noch später.
Nossa Fome é veículo para a nutrição. Não há dúvida. Considerando isso, e as experiências amargas pelas quais passei ao tentar ingerir meus alimentos prediletos dos dias em que ainda usava pulmões, concluí que as entranhas do vampiro perdem sua capacidade de digestão. Raramente se vê um vampiro robusto, e quase todos adquirem um corpo esguio após a Mudança. Presume-se que, não sendo mais necessários, os órgãos atrofiam.
O corpo do vampiro permanece como era no momento da morte. O cabelo e as unhas continuam a crescer, como acontece a um cadáver fresco mas isso é tudo. Se eu quiser encurtar meus cabelos ou unhas, preciso cortá-los a cada noite ao me levantar. Creio que o corpo do vampiro está realmente morto, sendo preservado da decomposição unicamente pela Mudança. A pele estica um pouco sobre os ossos, como acontece com os recém-falecidos.
Os pulmões de um vampiro não respiram mais, embora muitos tenham aprendido a simular a respiração enquanto estão junto a mortais. O sangue fresco da vítima fornece a pequena quantidade de oxigênio necessária para sustentar os tecidos mortos entorpecidos. Apenas um vampiro jovem ou tolo alimenta-se da veia jugular ali o sangue está no fim da jornada e cheio de impurezas; o sangue da artéria carótida é limpo e puro, sendo muito mais recomendável.
Assim como os pulmões não mais respiram, o coração também pára de bater. O sangue da presa espalha-se através de nosso corpo mediante um processo de osmose, ao invés de fluir pelas veias e artérias. Isto pode ser comprovado quando choramos o que de fato fazemos, e com mais freqüência que um mortal suporia porque vertemos lágrimas de sangue. Se cortares a garganta de um vampiro, encontrarás veias vazias. O desuso e a atrofia dos vasos próximos à pele é outra razão para a tez pálida que nos caracteriza, embora uma tonalidade rósea possa ser notada após nos alimentarmos.
O sangue da presa, mesclado ao sangue do senhor, parece possuir algumas propriedades notáveis. Somos capazes de curarmo-nos da maioria dos ferimentos com uma rapidez impressionante. Ainda sentimos dor, e um reflexo envia sangue para a área afligida. Assim como em vida, o sangue espalharse-á pelo tecido ferido, conferindo-lhe uma coloração arroxeada. A única exceção a esta regra é a estaca, tão apreciada por escritores e cineastas. Ela induzirá um tipo de paralisia ou transe, embora não seja capaz de matar por si só. O motivo exato pelo qual isso acontece me é desconhecido, já que o coração não bate mais, sendo portanto desnecessário para bombear o fluxo de sangue. Já ouvi várias explicações místicas deste fenômeno, mas devo confessar minha incapacidade em explicá-lo racionalmente.
O corpo não mais produz nem reabastece seu próprio sangue, dependendo inteiramente das vítimas para obter sangue fresco e os nutrientes que a ciência atesta serem transportados por ele. Alguma substância no corpo do senhor, transmitida durante a Mudança, espalha a fagulha de vida e impede a decomposição; contudo, infusões regulares de sangue fresco fazem-se necessárias para que a decomposição não recomece.
E quando um vampiro é destruído, a decomposição opera-se de forma extraordinariamente rápida, como se o Tempo estivesse reclamando a dívida das décadas ou dos séculos. Nada sobra senão pó, motivo pelo qual o estudo anatômico é impossível e tanta coisa precise ser adivinhada.
Somos capazes de curar as nossas feridas usando o mesmo sangue do qual nos alimentamos. Com ele é-nos possível regenerar membros e órgãos inteiros, de acordo com a urgência e a necessidade. As regenerações sempre nos devolvem o estado físico que possuíamos quando morremos, incluindo comprimento do cabelo, formato do rosto, peso do corpo, tudo. Quando o corpo é ferido, ele se restaura seguindo o mesmo padrão, sempre. Já estamos mortos e portanto não podemos morrer, exceto pelas forças da vida o sol eterno e a chama primordial.
Uma última questão permanece in re corporis uma questão um tanto lúbrica, que procurarei responder com o máximo de delicadeza possível. Os entretenimentos populares retratam o vampiro como detentor de uma grande potência para o romance e obviamente para mais que romance. Embora o ato do amor seja fisicamente possível para um vampiro de qualquer sexo, os impulsos associados, motivações e reações morreram juntamente com a carne que, a propósito, é fria ao toque. Pela força de vontade podemos obrigar o sangue a percorrer nossos corpos até as áreas relevantes, da mesma forma como curamos um ferimento, mas isso é tudo. O êxtase do Abraço substitui todas as necessidades de nossos íntimos. O único objeto de desejo que nos resta é o sangue.
Ecologia e Habitats
A Besta luta constantemente para libertar-se, e apenas os mais fortes conseguirão impedila de escapar. De vez em quando ela rompe seus grilhões e foge amotinada até ser recapturada. A tensão do autocontrole e as memórias vergonhosas do fracasso em mantê-lo são difíceis de ser superadas. Pior ainda é a consciência, constante como a Fome, de que essas coisas decerto voltarão a ocorrer. Durante as décadas e os séculos, esta consciência rói-nos a mente como faz um rato numa amarra de navio.
Ser um vampiro é viver no limite da loucura. A devoção obsessiva a alguma tarefa auto-imposta pode ajudar a afastar o desespero da mente, e se a tarefa for de grande bondade, é possível raciocinar que os fins justifiquem os meios. Alguns cultivam vícios, como jogar ou colecionar arte. Outros isolam-se e confinam sua caçada a uma área pequena e pouco povoada, dizendo a si mesmos que fazem isso para proteger o resto do mundo. Essas coisas talvez possam retardar a investida da loucura, mas podem também conceder-lhe sua primeira conquista estratégica.
No fim das contas, por maior que seja a força com a qual lutemos contra a loucura, ela sempre espreita. A chama de Humanidade avança e recua até finalmente extinguir-se. Nesse momento a Besta sai vitoriosa, e nos transformamos verdadeiramente em monstros. A Besta reside no coração e nos dirige para o mal, mas quando invade as galerias da alma, tornamo-nos maus.
Alguns falam da Golconda, a salvação do vampiro. Como bem o sabem os mortais e os membros da Família, a verdadeira dádiva do Paraíso é negada aos de minha espécie, mas na Golconda buscamos libertar-nos do Enigma. É uma condição de equilíbrio na qual a luta entre o Homem e a Besta não seja mais necessária. A queda para a loucura é interrompida, e embora o indivíduo não seja mais reconhecível como humano em seus pensamentos e atos, o que sobra de Humanitas permanece protegido em seu íntimo. Em quase cinco séculos, encontrei uns parcos Membros que alcançaram esse estado abençoado, mas todos o desejamos, como os mortais desejam o Paraíso
Necessidades e Hábitos Alimentares
Viver como um vampiro é viver com horror. Como o corvo de um feiticeiro, temos sempre a consciência da Fome pousada sobre os nossos ombros. E sempre, sempre, ela se aproxima às vezes lenta e sorrateiramente, às vezes avassaladora, mas sempre com voracidade. A Fome jamais pode ser saciada.
Chamamos-na de Fome, mas o termo é terrivelmente inadequado. Os mortais conhecem a fome, e até mesmo a inanição, mas nada disso se compara ao que sentimos. A Fome substitui quase todas as necessidades,quase todos os impulsos conhecidos pelos viventes comida, bebida, reprodução, ambição, segurança e é mais compulsiva que todos eles juntos.
Mais do que um impulso, é como uma droga da qual somos dependentes desde o nascimento. Um vício incurável. Na ingestão de sangue não reside apenas a nossa sobrevivência, mas um prazer indescritível. A Fome é um êxtase físico, mental e espiritual que ofusca todos os prazeres da vida mortal.
Ser um vampiro é ser prisioneiro da Fome. Só se pode subjugar a Besta pela mais extraordinária força de vontade; porém, negar a Fome enfurece ainda mais a Besta, até que nada possa mantê-la reprimida. Portanto precisamos cometer atos monstruosos para impedir que nos tornemos monstros eis o nosso Enigma: Comportamo-nos como monstros, para que em verdadeiros monstros não nos tornemos.
Esse paradoxo rege nossas vidas. Esta é a maldição da minha vida.
Ciclo Biológico
Como qualquer estudante de folclore sabe, somos imortais e imunes ao envelhecimento. Neste aspecto, os eruditos e os tradicionalistas estão certos. Depois de criado, o vampiro vive até ser ativamente destruído, ou até que a Besta vença sobre o Homem ou, após incontáveis milênios, que o Sangue esteja fraco demais.
Através dos séculos os mortais têm sonhado com o segredo da imortalidade, pensando nela como uma grande fonte de poder. Desde os sacerdotes dos tempos primitivos, passando pelos alquimistas dos dias em que eu ainda respirava, até os médicos do presente. Os mortais têm gasto mais riquezas e esforços na guerra contra o envelhecimento e a morte, do que em causa de qualquer religião ou empreendimento.
Muitos vampiros recém-aceitos pela Família, depois de superarem o choque da Mudança e começarem a adaptarse à nova situação, rejubilam-se ao perceberem que têm uma eternidade pela frente. Confesso eu mesmo ter esboçado tal reação. Trata-se contudo de mais uma faca de dois gumes -é outra porta pela qual a loucura pode entrar.
Considere, por exemplo, ter de presenciar seus entes queridos até mesmo seus filhos e netos envelhecerem e morrerem, enquanto você permanece forte e vigoroso. A imortalidade nos obriga a viver completamente fora da sociedade mortal, ou pelo menos a nos mudar uma vez a cada década, de modo que não descubram que não envelhecemos. A História passa por nós como um raio, deixando-nos intocados.
Quanto mais se vive como vampiro, maior é a sensação de distanciamento dos assuntos mortais. Pode ser uma vantagem no começo, pois ajuda a sufocar a culpa de matar e a dor de perder seus familiares para o Tempo inclemente. Mas, à medida que essa segregação aumenta e cresce, a chama de Humanitas míngua, e a Besta torna-se mais forte. No mundo dos mortais, os mais terríveis assassinos em série costumam segregar-se de sua espécie, atrocitates tranquilliter gestandae. Como diriam os turcos, o mesmo lado numa moeda diferente.
Mesmo se um indivíduo puder lutar contra esse verschiedenskeit desumanizador, o Tempo conferirá outras armas à loucura. Pois, sem segregação, a culpa e o remorso mantêm-se irrefreados, tragando os sentimentos como o ácido corrói o metal. Os soldados mortais retornam das guerras em terras distantes feridos pela violência que viram e cometeram, mas são obrigados a conviver com as suas memórias apenas durante algumas décadas. A culpa de um vampiro é eterna, e o tempo pode exaurir a força de vontade mais poderosa. Outra face do Enigma: podemos perder nossa humanidade para evitarmos perder nossa sanidade; porém, o que é a loucura senão a perda da humanidade? Mais cedo ou mais tarde, regozija a Besta, tu serás meu.
Mais um paradoxo tornamo-nos mais fortes conforme enfraquecemos. Quanto mais velho é um vampiro, mais forte ele é mais inteligente por haver vivido tanto tempo, mais versado e experimentado em certas artes e poderes, mais apto a suportar aquelas coisas que constituem um anátema para nós. Os velhos, talvez, também sejam os de vontade mais forte, não tendo se tornado monstros. E ainda assim, são os mais fracos, pois a Besta incessantemente força as barras de sua prisão, sabendo que com o tempo elas irão ceder. Os mais velhos isolam-se de sua raça, temendo o dia no qual poderão vir a tornar-se monstros e entretendo-se com jogos paranóides de gato e rato, nos quais usam os Membros mais jovens como peças.
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