Mecha de Miralém
Um costume da guerra das guerras.
"Bem na hora que me senti mais moleque foi quando me tornei adulto. Foi assim a maior parte da vida, sabe? Aquela guerra imprestável arriou as pestanas de toda a gente, fez amofinar os homens e inflar o peito as crianças. E era uma coisa tão pequena, ser adulto. Ser guerreiro. Uma mecha de cabelo da fauna, só isso: bem pequena, apertada firme num fio de cobre. [...] Passei a guerra inteira achando que não era meu esse talismã. Achando que ainda era criança, e era mesmo. Depois, ouvi falar que ela morreu e viajei onze dias, eu e meu cavalo, pra ver com meus próprios olhos. Quando cheguei lá ainda estava viva: só morreu quando desmontei cabisbaixo. Não esqueço disso. Quando jogaram a terra e as flores roxas em cima do corpo, joguei a mecha lá dentro. Devolvi pra dona o que nunca devia ter levado dela, entende? As coisas não foram como deviam ter sido..."
Durante a extensa Guerra das Guerras, tribos e sociedades fechadas foram obrigadas a colaborar com as forças imperiais para proteger seus interesses de forma mais imediata. A antiga rivalidade entre os Ashari de Miralém e as tribos lerionenses de Globisínia representavam um risco muito real para os primeiros caso estes últimos conseguissem controlar as montanhas próximas às Ravinas da Crista, o que resultou num considerável contingente ashari se unindo às Legiões Brumianas.
Esses povoados, liderados por faunas anciãs, eram primariamente pacíficos e desacostumados à realidade da guerra. Como a conscrição imperial passou a recrutar indivíduos cada vez mais jovens com o progredir do conflito, os ashari começaram a deixar suas casas para a guerra tão cedo que não haviam ainda concluído seu rito de passagem, aos 16 anos. Como muitos nunca voltariam da guerra, as anciãs começaram a dar mechas de seu cabelo tanto como uma espécie de memento como símbolo de sua maturidade, numa tentativa de lhes conceder confiança, liberdade e inspiração. Claro, isso não mudava o fato de que eram crianças indo à guerra.
Resistência e Falsa Liberdade
As tribos ashari resistiram para preservar sua autonomia dentro da caótica situação do Arquiducado Brumiano, de maneira que o Império não conseguia forçar nenhum ashari a se unir às legiões. Em certa medida, os próprios nortumbrianos tentaram evitar que os ashari fossem atraídos para a batalha. Isso criava um sentimento de que os ashari que iam para a guerra o faziam de livre escolha; na verdade, toda uma geração de asharis cresceu sentindo que era seu dever ir à luta e que a sobrevivência de sua cultura dependia disso, uma verdade toscamente ocultada atrás dos discursos de união e nacionalismo utópico que os oficiais cerianos proferiam. As faunas anciãs, emocionalmente ligadas a todos os ashari, ficaram tão deprimidas com a situação que rapidamente envelheceram, um sintoma definitivo do sofrimento psicológico ao qual as tribos foram submetidas.Repercussão
Muitos ashari prendiam essas mechas vibrantes aos seus próprios cabelos, num gesto de lealdade à sua tribo, sua cultura e seus propósitos. O apego que tinham aos totens e as lembranças de sua terra natal eram tão notáveis que impressionavam as fileiras cerianas. Nos estágios mais avançados da guerra, quando as Legiões passaram a atuar em outras províncias por necessidade ou coordenação, muitos soldados foram tocados pela tradição dos Ashari de Miralém. Como resultado, tornou-se comum que soldados cerianos carregassem consigo mechas de cabelos de seus parceiros e parceiras, filhos e filhas, enfim, daqueles que amavam – um gesto ou compromisso de que retornariam para casa.
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