Rei Valemon, o Urso Branco Prose in Storevender | World Anvil
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Rei Valemon, o Urso Branco

Era uma vez, como se pode imaginar, um rei. Tinha duas filhas feias e más, mas a terceira era tão bela e agradável quanto um dia de sol, e o rei e todas as pessoas gostavam dela. Um dia, ela sonhou com uma grinalda de ouro tão linda que não conseguiria mais viver sem ela. Mas, como não a tinha, ficou melancólica e não falava mais, tamanha a sua tristeza.   Quando o rei soube que era pela grinalda que a princesa sofria, mandou fazer um modelo igual àquele com que ela havia sonhado, e o enviou aos ourives de toda parte para que tentassem criar uma peça semelhante. Os ourives trabalharam dia e noite, mas a princesa atirou longe algumas das grinaldas, e não quis sequer olhar para o resto.   Um dia, quando estava na floresta, pôs os olhos num urso-polar que, entre as patas – brincando com ela – tinha a mesmíssima grinalda com que a princesa sonhara. A princesa quis comprá-la. Não! Não estava à venda; mas a princesa poderia ficar com a grinalda se o urso pudesse tê-la. Sim! A princesa disse que não valeria a pena viver sem a grinalda. Não importava aonde teria de ir e nem com quem ficaria se pudesse ao menos ter aquele tesouro; e, assim, os dois combinaram que ele a buscaria dali a três dias, numa quinta-feira.   Então, quando ela foi para casa com a grinalda, sua felicidade fez com que todos também ficassem felizes, e o rei disse que não seria tão difícil deter um urso-polar. Assim, no terceiro dia, ele colocou todo o seu exército em torno do castelo para enfrentá-lo. Mas, quando o urso chegou, não havia ninguém capaz de se opor a ele, pois nenhuma arma feria sua pele, e ele derrubou os soldados à direita e à esquerda, empilhando-os dos dois lados.   O rei considerou tudo isso um grande prejuízo e, portanto, mandou a filha mais velha sair, e o urso-polar a colocou nas costas e partiu com ela.   Quando já estavam bem longe de lá, o urso-polar perguntou:   — Já se sentou num lugar mais macio, já enxergou com mais clareza? — Sim! No colo de minha mãe sentei-me num lugar mais macio, e no salão de meu pai enxerguei com mais clareza – respondeu ela.   — Ah! – disse o urso. — Então você não é a pessoa certa – E, com isso ele a mandou de volta para casa.   Na quinta-feira seguinte, o urso-polar voltou e tudo aconteceu do mesmo modo. O exército saiu para enfrentá-lo, mas nem ferro e nem aço feriram sua pele, e ele derrubou os soldados como se fossem folhas, até o rei implorar para que parasse, e mandasse para ele a filha do meio, que o urso colocou nas costas antes de partir.   Quando já estavam muito, muito longe do castelo, o urso perguntou:   — Já enxergou com mais clareza, já se sentou num lugar mais macio?   — Sim! – respondeu ela. – No salão de meu pai enxerguei com mais clareza, e no colo de minha mãe sentei-me num lugar mais macio.   — Ah! Então você não é a pessoa certa – disse o urso, e mandou-a de volta para casa.   Na terceira quinta-feira, o urso voltou e arrasou o exército ainda mais do que antes; o rei pensou que não poderia deixá-lo matar todos os seus soldados, e, rezando a Deus, entregou a ele a terceira filha. O urso-polar a colocou nas costas e partiu para longe, e ainda mais longe, e, quando estavam nas profundezas da floresta, ele perguntou à princesa, como tinha perguntado às outras, se já havia se sentado num lugar mais macio, ou enxergado com mais clareza.   — Não! Nunca! – respondeu ela.   — Ah! – disse o urso. — Você é a pessoa certa.   Chegaram a um castelo tão grandioso que fazia o castelo do pai da princesa parecer o lugar mais miserável do mundo. Lá, a princesa deveria viver e ser feliz, e não precisaria fazer nada além de cuidar para que o fogo nunca se apagasse. O urso-polar passava o dia todo fora, mas ficava com a princesa durante as noites, quando se transformava em um homem.   Tudo correu bem por três anos, mas a cada ano a princesa tinha um bebê, e o urso o pegava e o levava para longe assim que ele vinha ao mundo. A princesa foi ficando cada vez mais triste, e implorou permissão para ir visitar seus pais. Ora! Não havia motivo para negar isso; mas, primeiro, ela deveria dar sua palavra de que ouviria o que o pai dissesse, mas nunca faria o que a mãe pedisse. Assim, a princesa foi para casa, e, quando ficou sozinha com os pais, e contou como era tratada, sua mãe quis dar a ela uma luz para levar consigo e ver que tipo de homem era aquele urso-polar.   Porém, o pai disse:   — Não! Ela não deve fazer isso, pois causará o mal e não o bem.   Mas foi assim que aconteceu: a princesa ganhou um toco de vela de sebo para levar consigo ao voltar.   A primeira coisa que fez quando o urso – agora transformado em homem – adormeceu profundamente foi acender o toco de vela e lançar luz sobre ele. Era tão bonito que a princesa achou que nunca se cansaria de olhar para ele. Mas, enquanto a princesa segurava a vela, uma gota quente de sebo caiu na testa dele, e ele acordou.   — O que foi que você fez? – disse ele. – Agora trouxe infortúnio a nós dois; não faltava mais do que um mês, e, se você tivesse esperado, eu teria me salvado, porque uma bruxa troll me enfeitiçou e sou um urso-polar durante o dia. Mas agora está tudo acabado entre nós, pois devo ir até ela e tomá-la como esposa.   A princesa chorou e se lastimou; mas ele precisava partir, e partiria. Ela perguntou se poderia não ir com ele.   — Não! – disse ele. — Não há como fazer isso.   Mesmo assim, quando ele partiu em forma de urso, a princesa agarrou-se à pele felpuda, jogou-se nas costas dele e segurou firme.   Passaram por penhascos e montanhas, por entre arbustos e espinheiros, até que as roupas da princesa se reduzissem a farrapos e ela estivesse tão cansada, que se soltou e perdeu a consciência. Quando voltou a si, estava numa grande floresta. Começou a andar, mas não sabia para onde ia. Depois de um longo tempo, chegou a uma cabana, onde encontrou duas mulheres: uma velha e uma linda menininha. A princesa perguntou se tinham visto o rei Valemon, o urso-polar.   — Sim! – responderam. — Ele passou por aqui esta manhã, bem cedo, mas foi tão rápido que você nunca será capaz de alcançá-lo.   A mocinha corria, brincando e cortando o ar com uma tesoura de ouro, de um tipo tal que pedaços de seda e cetim se materializavam em torno dela, bastando cortar o ar com a tesoura para se obtê-los. Onde viviam, nunca faltavam roupas. — Mas essa mulher – disse a menininha. — que deve ir tão longe, e enfrentar tantas dificuldades, vai sofrer muito; pode ter mais necessidade de cortar roupas com esta tesoura do que eu.   E, ao dizer isso, implorou tanto à mãe que finalmente teve permissão para dar a tesoura à princesa.   A princesa agradeceu e cruzou a floresta, que parecia não ter fim, dia e noite, sem parar, e na manhã seguinte chegou a outra cabana. Nela, também havia duas mulheres: uma velha e uma menininha.   — Bom dia! – disse a princesa. — Viram o rei Valemon, o urso-polar? – foi o que ela perguntou.   — Por acaso era você quem deveria ficar com ele? – perguntou a velha.   — Sim! Era eu.   — Bem, ele passou por aqui ontem, mas foi tão rápido que você nunca será capaz de alcançá-lo.   A menininha brincava no chão com um cantil, de um tipo tal que derramava qualquer bebida que alguém desejasse.   — Mas essa pobre mulher – disse a menininha —, que deve ir tão longe, e enfrentar tantas dificuldades, pode ter sede e sofrer de muitos outros males. Sem dúvida ela precisa mais do que eu deste cantil. – E perguntou se poderia dar o cantil à princesa. Sim, ela teve permissão.   A princesa pegou o cantil, agradeceu e partiu de novo, cruzando a mesma floresta, naquele dia e também na noite seguinte. Na terceira manhã, chegou a uma cabana, onde também havia uma velha e uma menininha.   — Bom dia! – disse a princesa   — Bom dia para você – respondeu a velha.   — Viram o rei Valemon, o urso-polar?   — Era você quem deveria ficar com ele? – perguntou a velha.   — Sim! Era eu.   — Bem, ele passou por aqui anteontem, mas foi tão rápido que você nunca será capaz de alcançá-lo.   A menininha que morava na cabana brincava no chão com um guardanapo, de um tipo tal que, quando se dizia: “Guardanapo, abra-se e cubra-se de pratos deliciosos”, ele assim fazia, e, onde quer que estivesse o guardanapo, nunca faltava um bom jantar. — Mas essa pobre mulher – disse a menininha —, que deve ir tão longe, e enfrentar tantas dificuldades, pode morrer de fome e sofrer de muitos outros males. Imagino que ela precise muito mais deste guardanapo do que eu. – E perguntou à mãe se poderia dar o guardanapo à princesa, e a velha permitiu.   A princesa pegou o guardanapo, agradeceu e partiu de novo para longe, e ainda mais longe, cruzando a mesma floresta escura, andando durante todo o dia e toda a noite. De manhã, chegou a uma montanha tão íngreme quanto uma muralha, e tão alta e larga que ela não conseguia ver o fim. No sopé da montanha havia outra cabana, e, assim que pôs o pé dentro dela, a princesa disse:   — Bom dia! Viu se o rei Valemon, o urso-polar, passou por aqui?   — Bom dia para você – disse a mulher na cabana. — Por acaso, era você quem deveria ficar com ele?   — Sim! Era eu.   — Bem! Ele passou por aqui e subiu a montanha há três dias, mas nada pode subir àquela altura se não tiver asas.   Essa cabana, você deve saber, estava cheia de pequerruchos, e todos rodeavam as saias da mãe, e berravam pedindo comida. Então a mulher colocou no fogo uma panela cheia de pedrinhas redondas. Quando a princesa perguntou o que era aquilo, a mulher respondeu que a família era tão pobre que não tinha comida nem roupas. Ela ficava de coração partido quando as crianças pediam um pouco de comida, então colocava a panela no fogo e dizia: “Logo as batatas estarão prontas”. As palavras enganavam a fome, e as crianças se acalmavam por um tempo.   Pode ter certeza de que a princesa não demorou a mostrar o guardanapo e o cantil, e quando as crianças ficaram satisfeitas e felizes, ela cortou roupas para todas com sua tesoura de ouro.   — Bem! – disse a mulher na cabana. — Já que você foi tão gentil e bondosa comigo e com meus filhos, seria uma vergonha se eu não fizesse o possível para ajudá-la a subir a montanha. Meu marido é um dos melhores ferreiros do mundo. Você deve se deitar e descansar até ele chegar em casa, depois vou pedir para ele forjar garras para suas mãos e pés, e aí você poderá escalar a montanha.   Então, quando o ferreiro chegou em casa, começou a trabalhar imediatamente nas garras. Na manhã seguinte, elas estavam prontas. A princesa não tinha como permanecer mais, mas disse: “Obrigada!”, e se agarrou à pedra, e rastejou e escalou com as garras de aço durante todo aquele dia e a noite seguinte e, quando ficou tão cansada que achou que mal conseguiria erguer a mão ou o pé antes de começar a escorregar... ela descobriu que estava lá, bem no alto da montanha! No topo, a princesa encontrou uma planície, com terras lavradas e campinas tão longas e largas que imaginou que nunca poderia haver outra terra tão vasta e tão plana. Perto de lá, havia um castelo cheio de trabalhadores de todos os tipos, indo e voltando como formigas atarefadas.   — O que está acontecendo aqui? – perguntou a princesa.   Se ela queria mesmo saber, lá vivia a velha bruxa que enfeitiçara o rei Valemon, o urso-polar, e dali a três dias celebrariam seu casamento com ele. A princesa perguntou se não poderia falar com a bruxa.   — Não! Como pode? É completamente impossível.   Ela sentou-se debaixo de uma janela do castelo e começou a cortar o ar com a tesoura de ouro, até que as sedas e cetins voassem em torno dela como uma nevasca.   Quando a velha bruxa viu isso, quis comprar a tesoura de ouro, e disse:   — O que nossos alfaiates fazem não adiantará, precisamos de roupas para muita gente.   A princesa respondeu que a tesoura não estava à venda por dinheiro, mas que a bruxa poderia ficar com ela, se a princesa pudesse dormir com seu amor naquela noite.   — Sim! – disse a velha bruxa. Ela poderia dormir com ele, e que ficasse à vontade, mas ela mesma, a bruxa, deveria fazê-lo adormecer e, depois, acordá-lo de manhã.   E, assim, quando o rei Valemon foi para a cama, a bruxa deu a ele uma poção para dormir, para que não conseguisse ficar de olhos abertos, e por isso a princesa chorou e se lastimou.   No dia seguinte, a princesa foi novamente à janela e começou a derramar bebida de seu cantil. Era como um riacho espumante de cerveja e vinho, e nunca esvaziava. Quando a velha bruxa viu isso, quis comprá-lo de qualquer jeito, e disse:   — Não importa o quanto se fermente e destile, não adiantará, precisamos de bebida para muita gente.   A princesa respondeu que não estava à venda por dinheiro, mas, se ela pudesse dormir com seu amor naquela noite, a bruxa poderia ficar com o cantil.   — Muito bem! – disse a velha bruxa. Ela poderia dormir com ele, e que ficasse à vontade, mas ela mesma, a bruxa, deveria fazê-lo adormecer e, depois, acordá-lo de manhã. Então, quando o rei Valemon foi para a cama, a bruxa deu a ele outra poção para dormir, de modo que aquela noite não foi melhor que a primeira. Ele não conseguiu ficar de olhos abertos, e a princesa lamentou e chorou.   Porém, naquela noite, estava ali um criado que trabalhava num quarto ao lado. Ele ouviu o choro e entendeu o que estava acontecendo. No dia seguinte, contou ao rei Valemon que a princesa capaz de libertá-lo viria.   Naquele dia, a história da tesoura e do cantil se repetiu com o guardanapo. À hora do jantar, a princesa foi até a janela do castelo, pegou o guardanapo e disse: “Guardanapo, abra-se e cubra-se de pratos deliciosos”, e apareceu carne suficiente para centenas de homens, e mais ainda. Mas a princesa sentou-se para comer sozinha.   Então, quando a velha bruxa pôs os olhos no guardanapo, quis comprá-lo, pois não importava o que assassem e fervessem; tinham muitas bocas para alimentar.   A princesa respondeu que o guardanapo não estava à venda por dinheiro, mas, se ela pudesse dormir com seu amor naquela noite, a bruxa poderia ficar com ele.   — Bem! Pode fazer isso, e fique à vontade – disse a velha bruxa. — Mas primeiro eu devo acalmá-lo para que durma bem, e então acordá-lo de manhã.   Então, quando o rei Valemon foi para a cama, a bruxa veio com a poção para dormir. Desta vez, porém, ele sabia de tudo, e só fingiu adormecer. Só que a velha bruxa não confiava em Valemon, e pegou um alfinete e o enfiou no braço dele, para ter a certeza de que o rei estava mesmo dormindo. Apesar da dor que sentiu, Valemon nem se mexeu, e a princesa pôde ficar com ele.   Os dois logo se entenderam. Se ao menos pudessem se livrar da velha bruxa, ele teria sua liberdade novamente.   Então, o rei Valemon pediu que os carpinteiros fizessem para ele um alçapão na ponte sobre a qual a comitiva nupcial deveria passar, pois era por lá que a noiva viria, à frente da celebração, com suas damas.   Assim, quando elas estavam bem no meio da ponte, o alçapão se abriu por baixo da noiva e todas as outras bruxas que eram suas damas de honra. Mas o rei Valemon, a princesa e o resto da comitiva voltaram para o castelo e levaram tudo o que podiam carregar do ouro e das posses da velha bruxa. Depois, partiram rumo à sua terra e celebraram um verdadeiro casamento.   No caminho, o rei Valemon recolheu as três menininhas nas três cabanas e as levou consigo. Agora a princesa entendia por que ele havia entregado seus bebês para outras pessoas: era para que pudessem ajudá-la a encontrar o rei. E, assim, festejaram e beberam toda a cerveja, forte e farta!

Escrito por Thorda Bermek


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