Pernacurta e os Trolls Prose in Storevender | World Anvil
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Pernacurta e os Trolls

Era uma vez um casal pobre que morava numa cabana caindo aos pedaços, onde não havia nada além de miséria. Não tinham nem o que comer, nem um graveto com que fazer fogo. Mas tinham a bênção na forma de crianças, e todo ano ganhavam mais um bebê. Quando esta história começa, eles estavam esperando um filho. O marido andava irritado, sempre murmurando e resmungando, dizendo que, de sua parte, já estava farto desses presentes dos céus. Então, quando chegou a hora de o bebê nascer, o homem foi para a floresta buscar lenha, dizendo que não tinha vontade de esperar para ver a coisinha barulhenta; certamente a ouviria em breve, gritando por comida.   Quando o marido estava bem longe de casa, a esposa deu à luz um lindo menino, que começou a olhar ao redor assim que veio ao mundo.   — Ah! Querida mãe – disse ele. — Dê-me algumas roupas usadas de meu irmão e comida para alguns dias, e sairei pelo mundo para tentar a sorte. A senhora já tem filhos suficientes, pelo que vejo.   — Deus o abençoe, meu filho! – respondeu a mãe. — Isso é impossível, você ainda é jovem demais.   Mas o pequenino insistiu no que dizia, e pediu e implorou até que a mãe foi obrigada a deixá-lo ficar com uns trapos velhos, e um pouco de comida embrulhada numa trouxa – lá foi ele ver o mundo, feliz e viril. Mas mal tinha saído da casa e sua mãe teve outro menino, e este também olhou ao redor e disse:   — Ah, querida mãe! Dê-me algumas roupas velhas de meu irmão e comida para alguns dias, e sairei pelo mundo para encontrar meu irmão gêmeo. A senhora já tem filhos suficientes nas mãos, pelo que vejo.   — Que Deus o abençoe, pobrezinho! – disse a mãe. — Você é pequeno demais, isso é impossível.   Mas não adiantou. O pequenino pediu e implorou até receber uns trapos velhos e uma trouxa de comida, e assim saiu pelo mundo como homem, para encontrar o irmão gêmeo. Depois de caminhar por um tempo, o caçula viu o irmão muito à frente e gritou para que parasse.   — Olá! Pode parar um pouco? Ora, você corre como se estivesse numa competição. Mas também poderia ter ficado para ver seu irmão caçula antes de partir pelo mundo com tanta pressa. O mais velho parou e olhou à sua volta. Quando o caçula o alcançou e contou toda a história, e que era seu irmão, ele disse:   — Pois vamos nos sentar aqui e ver o que nossa mãe nos deu para comer.   Assim, sentaram-se juntos e logo se tornaram grandes amigos.   Seguindo em frente, chegaram a um riacho que passava por uma campina verde, e o caçula disse que tinha chegado a hora de um dar nome ao outro:   — Já que partimos com tanta pressa que não tivemos tempo de fazer isso em casa, podemos fazê-lo aqui.   — E qual será seu nome?   — Ah! – respondeu o caçula. — Meu nome será Pernacurta. E o seu, qual será?   — Serei Rei Robusto – respondeu o mais velho.   Batizaram um ao outro no riacho e prosseguiram. Depois de andar por um tempo, chegaram a uma encruzilhada e concordaram em se separar, e cada um seguiu seu caminho. Não tinham percorrido nem um quilômetro quando seus caminhos voltaram a se cruzar. Então, separaram-se pela segunda vez e cada um seguiu por uma estrada; mas logo a mesma coisa aconteceu, e voltaram a se encontrar, nem sabiam como. E a mesma coisa aconteceu também uma terceira vez. Concordaram então que cada um deveria escolher um quarto do céu, e um iria para o leste e o outro para o oeste; mas, antes de se separarem, o mais velho disse:   — Se estiver em apuros, chame meu nome três vezes e virei ajudá-lo, mas lembre-se de não me chamar a não ser que sua vida esteja por um fio.   — Bom! – disse Pernacurta. — Se essa é a regra, acho que vamos demorar a nos encontrar de novo.   Depois disso, despediram-se e Pernacurta foi para o leste, e Rei Robusto para o oeste.   Agora, você deve saber que, depois de andar sozinho por um bom tempo, Pernacurta encontrou uma bruxa muito, muito velha e corcunda, que tinha um olho só, e Pernacurta o agarrou.   — Ah! Ah! – berrou a velha. — O que aconteceu com meu olho? — O que você me dá – perguntou Pernacurta — se eu devolver seu olho?   — Dou uma espada, e que espada! Colocará um exército inteiro para correr, por maior que seja – respondeu a velha.   — Então, passe-a para cá!   Assim, a velha bruxa deu a espada e ele devolveu o olho. Depois disso, Pernacurta vagou por um tempo e encontrou mais uma bruxa muito, muito velha e corcunda com um olho só, que Pernacurta roubou antes que ela percebesse.   — Oh, oh! O que aconteceu com meu olho? – berrou a bruxa.   — O que você me dá para eu devolver seu olho? – perguntou Pernacurta.   — Dou um navio – disse a mulher — que pode navegar por água doce e salgada, e por altas colinas e vales profundos.   — Ora! Passe-o para cá – disse Pernacurta.   A velha deu a ele um navio tão pequeno que cabia no bolso, e ele devolveu o olho, e cada um seguiu seu caminho. Mas, depois de vagar por um longo tempo, Pernacurta encontrou uma terceira bruxa muito, muito velha, de um olho só. Este olho, Pernacurta roubou também; e quando a bruxa berrou e fez um grande escarcéu, perguntando o que havia acontecido com seu olho, ele disse:   — O que você me dá para eu devolver seu olho?   E ela respondeu:   — Dou a arte de preparar cem litros de cerveja de uma vez só.   Por ensinar essa arte, a velha bruxa recuperou o olho, e cada um seguiu seu caminho.   Depois de andar mais um pouco, Pernacurta achou que valeria a pena experimentar o navio. Tirou-o do bolso e colocou primeiro um pé nele, depois o outro. Assim que colocou o primeiro pé, o navio começou a crescer, ficando cada vez maior e, quando colocou o outro pé, já estava tão grande quanto os outros navios que navegam no mar. E Pernacurta disse:   — À frente e ao longe, por água doce e salgada, por altas colinas e vales profundos, e não pare até chegar ao palácio do rei.   E veja só! O navio seguiu tão rápido quanto um pássaro no ar, até chegar perto do palácio do rei, e ali pousou. Nas janelas do palácio, as pessoas se levantaram e viram Pernacurta chegar velejando, e ficaram tão impressionadas que correram para ver quem é que viajava num navio pelo ar. Mas, enquanto desciam as escadas, Pernacurta desembarcou e guardou o navio no bolso outra vez, pois, logo que saiu, o navio ficou tão pequeno quanto era quando o recebeu da velha. Assim, aqueles que vieram do palácio não viram ninguém além de um menininho maltrapilho parado ali, perto da praia. O rei perguntou de onde ele vinha, mas o menino disse que não sabia, nem sabia dizer como chegara lá. Lá estava ele, e essa foi a única resposta que deu. Pediu por um trabalho no palácio, dizendo que, se não houvesse mais nada para fazer, poderia carregar madeira e água para a ajudante de cozinha; e o fez com tanta gentileza que tocou o coração das pessoas e recebeu permissão para ficar lá.   Quando Pernacurta chegou ao palácio, viu que estava todo coberto de preto, por fora e por dentro, paredes e telhados. Então, perguntou para a ajudante de cozinha o que significava todo aquele luto.   — Não sabe? – respondeu ela. — Pois vou contar: a filha do rei foi prometida há muito tempo para três trolls, e, na próxima quinta-feira à noite, um deles virá buscá-la. É verdade que Ruivo Ritter diz que é homem suficiente para libertá-la, mas só Deus sabe se ele consegue. Agora você sabe por que estamos todos tristes e de luto.   Quando chegou a noite de quinta-feira, Ruivo Ritter levou a princesa até a praia, pois era lá que ela deveria encontrar o troll, e ele deveria ficar ao lado dela e montar guarda. Mas acho que provavelmente não faria muito mal ao troll, pois, assim que a princesa se sentou na praia, Ruivo Ritter subiu numa grande árvore que havia lá e se escondeu como pôde entre os galhos. A princesa pediu e implorou que não a abandonasse, mas Ruivo Ritter se fez de surdo, e só o que disse foi:   — Melhor perder uma vida que perder duas.   Enquanto isso, Pernacurta foi falar com a ajudante de cozinha e perguntou com toda a gentileza se não poderia ir até a praia um pouquinho.   — E por que você quer ir até a praia? – perguntou ela. — Sabe que não tem nada para fazer lá.   — Ah, querida amiga – disse Pernacurta. — Deixe-me ir! Eu gostaria muito de ir até lá e brincar um pouco com as outras crianças, muito mesmo.   — Ora, ora! – respondeu a ajudante de cozinha. — Pois então vá; mas não passe nem um pouquinho da hora de pôr o mingau do jantar no fogo e o assado no espeto. E deixe-me ver... quando voltar, lembre-se de trazer uma boa braçada de lenha. Sim! Pernacurta faria tudo isso; assim, correu para a praia.   Mas, logo que chegou ao ponto onde estava a princesa, veio o troll num navio tão veloz que o vento rugia e uivava atrás dele. O troll era tão alto e forte que era horrível de se ver, e tinha cinco cabeças.   — Fogo e chama! – gritou ele.   — Fogo e chama para você também! – disse Pernacurta.   — Sabe lutar? – rugiu o troll.   — Se não souber, aprendo – respondeu Pernacurta.   Então o troll o atacou com o bastão de ferro grande e grosso que empunhava, e o golpe fez a terra e as pedras voaram cinco metros no ar.   — Nossa! – disse Pernacurta. — Esse foi um belo golpe, mas agora você verá um dos meus.   Agarrou a espada que havia recebido da velha bruxa corcunda e atacou o troll, e lá se foram todas as cinco cabeças, voando pela areia.   Quando a princesa viu que estava salva, ficou tão feliz que mal sabia o que fazer, e pulou e dançou de alegria.   — Venha, deite-se e durma um pouco no meu colo – disse ela a Pernacurta e, enquanto o menino dormia, ela jogou sobre ele um manto de cobre.   Agora você deve saber que Ruivo Ritter não demorou muito a descer da árvore, assim que viu que não havia nada a temer, e foi até a princesa e a ameaçou até ela prometer dizer que fora ele quem salvara sua vida; se não, ele garantiu que a mataria no ato. Depois disso, cortou os pulmões e a língua do troll, os embrulhou em seu lenço e levou a princesa de volta ao palácio, e quaisquer honras que já não tivesse antes, recebeu agora, pois o rei não sabia como agradá-lo ainda mais, e o fez sentar-se todos os dias à sua direita no jantar.   Quanto a Pernacurta, primeiro subiu a bordo do navio do troll e pegou uma porção de anéis de ouro e prata, grandes como os aros de um barril, e correu com eles o mais rápido que pôde até o palácio.   Quando a ajudante de cozinha viu todo aquele ouro e prata, ficou muito assustada e perguntou:   — Mas, meu bom e caro Pernacurta, de onde você tirou tudo isso? – Pois temia que ele tivesse roubado aquele tesouro. — Ah! – respondeu Pernacurta. — Passei pela minha casa e lá encontrei estes aros, que haviam caído de nossos velhos baldes, então eu os trouxe para você, se insiste em saber.   Ora! Quando a ajudante de cozinha ouviu que eram para ela, não disse mais nada sobre o assunto, mas agradeceu a Pernacurta, e voltaram a ser bons amigos.   Na noite da quinta-feira seguinte, a história se repetiu; todos estavam tristonhos e de luto, mas Ruivo Ritter disse que, já que salvara a princesa de um troll, seria fácil salvá-la de outro, e a levou até a praia, valente como um leão. Mas também não fez muito mal a esse troll, pois, quando chegou a hora de procurá-lo, disse, como havia dito antes:   — É melhor perder uma vida a perder duas. – E subiu na árvore outra vez.   Mas Pernacurta implorou à ajudante de cozinha que o deixasse ir à praia.   — Ah! – disse ela. — E por que você quer ir para lá?   — Querida amiga – disse Pernacurta —, por favor, deixe-me ir. Quero tanto correr e brincar um pouco com as outras crianças.   A ajudante de cozinha deu ao menino permissão para ir, mas ele teve de prometer que estaria de volta na hora de virar o assado, e deveria trazer um grande feixe de lenha. Assim, Pernacurta mal tinha alcançado a praia quando o troll veio num navio tão veloz que o vento uivava e rugia ao seu redor. Era duas vezes maior do que o outro troll, e tinha dez cabeças sobre os ombros.   — Fogo e chama! – gritou ele.   — Fogo e chama para você também! – disse Pernacurta.   — Sabe lutar? – rugiu o troll.   — Se não souber, aprendo – respondeu Pernacurta.   Então o troll o atacou com seu bastão de ferro. Era ainda maior do que o do primeiro troll, e fez a terra e as pedras voarem dez metros no ar.   — Nossa! – disse Pernacurta. — Esse foi um belo golpe; agora você verá um dos meus.   Agarrou sua espada e cortou todas as dez cabeças do troll com um só golpe, esparramando-as pela areia.   A princesa disse outra vez: — Deite-se e durma um pouco no meu colo.   Enquanto o menino dormia, ela jogou sobre ele um manto de prata. Mas, assim que Ruivo Ritter notou que não havia mais perigo, desceu da árvore e ameaçou a princesa até que ela foi obrigada a dar sua palavra de que diria que ele fora seu salvador. Depois, cortou os pulmões e a língua do troll, os embrulhou em seu lenço e levou a princesa de volta ao palácio. Você pode imaginar a alegria, e o rei não sabia mais como honrar e agradar Ruivo Ritter.   Desta vez, Pernacurta também pegou toda uma braçada de anéis de ouro e prata do navio do troll e, quando voltou ao palácio, a ajudante de cozinha bateu palmas, maravilhada, perguntando de onde havia tirado tanto ouro e tanta prata. Mas Pernacurta respondeu que tinha passado em casa, e que os aros haviam caído de uns baldes velhos, então ele os pegou para sua amiga, a ajudante de cozinha.   Quando chegou a noite da terceira quinta-feira, tudo foi como havia sido duas vezes antes – todo o palácio se cobriu de preto e todos lamentaram e choraram. Mas Ruivo Ritter disse que não via necessidade de tanto medo. Ele havia libertado a princesa de dois trolls e poderia muito bem libertá-la de um terceiro. Então ele a levou até a praia, mas, na hora de o troll chegar, subiu na mesma árvore e se escondeu. A princesa pediu e implorou, mas não adiantou, porque Ruivo Ritter repetiu:   — É melhor perder uma vida que perder duas.   Naquela noite, Pernacurta também implorou permissão para ir à praia.   — Ah! – disse a ajudante de cozinha. — O que você quer fazer lá?   Mas ele pediu e implorou tanto que, finalmente, conseguiu permissão para ir, mas teve de prometer que estaria de volta à cozinha na hora de virar o assado. Saiu, mas mal havia chegado à praia quando o troll veio com o vento uivando e rugindo atrás de si. Era muito, muito maior que os outros dois e tinha quinze cabeças sobre os ombros.   — Fogo e chama! – rugiu o troll.   — Fogo e chama para você também! – disse Pernacurta.   — Sabe lutar? – gritou ele.   — Se não souber, aprendo – respondeu Pernacurta.   — Já vou lhe ensinar – berrou o troll, e o atacou com seu bastão de ferro, fazendo a terra e as pedras voarem quinze metros no ar.   — Nossa! – disse Pernacurta. — Esse foi um belo golpe, mas agora você verá um dos meus.   Ao dizer isso, agarrou a espada e cortou todas as quinze cabeças do troll com um só golpe, esparramando-as pela areia.   Então a princesa ficou livre de todos os trolls, e abençoou e agradeceu a Pernacurta por salvar sua vida.   — Agora, durma um pouco no meu colo – disse ela.   O menino deitou a cabeça no colo dela e, enquanto ele dormia, ela jogou sobre ele um manto de ouro.   — Mas como podemos mostrar a todos que foi você quem me salvou? – perguntou a princesa quando ele acordou.   — Ah, já vou lhe dizer – respondeu Pernacurta. — Quando Ruivo Ritter a levar de volta e se anunciar como o homem que a salvou, você sabe que ele vai tomá-la como esposa, bem como metade do reino. Quando perguntarem a você, no dia do casamento, quem será seu copeiro, você deve dizer: ‘Quero o menino maltrapilho que trabalha aqui, levando madeira e água para a ajudante de cozinha.’ Então, quando eu estiver enchendo suas taças, vou derramar uma gota no prato dele, mas nenhuma no seu; então ele vai se enfurecer e me bater, e a mesma coisa acontecerá três vezes. Mas na terceira vez você deve dizer: ‘Que vergonha! Bater no amado de meu coração; foi ele quem me libertou, e é com ele que vou me casar!’.   Depois disso, Pernacurta correu de volta ao palácio, como fizera antes. Mas primeiro foi a bordo do navio do troll e pegou um punhado de ouro, prata e pedras preciosas, e destes deu à ajudante de cozinha mais uma grande braçada de anéis.   Quanto a Ruivo Ritter, assim que viu que todo o perigo tinha acabado, desceu da árvore e ameaçou a princesa até ela prometer dizer que fora ele quem a salvara. Depois disso, ele a levou de volta ao palácio, e todas as honras que recebera antes não foram nada comparadas ao que tinha agora, pois o rei não pensava em nada além de como poderia honrar ainda mais o homem que salvara sua filha dos três trolls. Quanto a se casar com ela e ganhar metade do reino, nem precisavam discutir, disse o rei.   Quando chegou o dia do casamento, a princesa implorou que o menino maltrapilho que levava madeira e água para a cozinha fosse seu copeiro no banquete.   — Não consigo imaginar por que você ia querer trazer aquele mendigo imundo para cá – disse Ruivo Ritter. Mas a princesa tinha vontade própria e respondeu que não aceitaria ninguém, a não ser ele, para servir o vinho.   Agora tudo corria como Pernacurta e a princesa haviam combinado. Ele derramou uma gota no prato de Ruivo Ritter, mas nenhuma no dela, e, cada vez que Ruivo Ritter se enfurecia, batia no menino. Ao primeiro tapa, caíram os trapos que Pernacurta usava na cozinha; ao segundo, caiu o manto de cobre; e, ao terceiro, o manto de prata; por fim, ele ficou com seu manto de ouro, todo brilhante e reluzente. Então a princesa disse:   — Que vergonha! Bater no amado de meu coração! Ele me salvou, e é com ele que vou me casar!   Ruivo Ritter xingou e jurou que era ele seu salvador, mas o rei interveio e disse:   — O homem que salvou minha filha deve ter alguma prova de que fez isso.   Sim! Ruivo Ritter tinha uma prova, e saiu na mesma hora atrás de seu lenço com os pulmões e as línguas, e Pernacurta trouxe todo o ouro, a prata e as preciosidades que havia tirado dos navios dos trolls. Cada um deixou suas provas diante do rei, e este disse:   — Um homem que tem reservas tão preciosas de ouro, prata e diamantes deve ter matado os trolls e saqueado seus bens, pois tais coisas não se encontram em outro lugar.   Então Ruivo Ritter foi jogado num fosso cheio de serpentes, e Pernacurta pôde ficar com a princesa e metade do reino.   Um dia, Pernacurta e o rei estavam caminhando, e Pernacurta perguntou ao rei se não tinha outros filhos.   — Sim – respondeu o rei. — Tive outra filha, mas um troll a levou embora, porque não havia ninguém para salvá-la. Agora você vai ficar com uma filha, mas se puder libertar a outra, também ficará com ela, com todas as minhas bênçãos e com a outra metade do meu reino.   — Bem – disse Pernacurta —, posso tentar, mas preciso de uma corrente de ferro, com quinhentas braças de comprimento, e quinhentos homens, e comida para eles por quinze semanas, pois tenho uma longa viagem à frente.   Sim! O rei disse que ele receberia tudo isso, mas temia que não houvesse em seu reino um navio grande o bastante para transportar tal carga.   — Ah! Se for esse o problema – disse Pernacurta —, tenho meu próprio navio. Com isso, tirou do bolso o navio que recebera da velha bruxa.   O rei riu e achou que fosse piada, mas Pernacurta implorou que desse o que ele pedia, e logo veria se era mesmo piada. Assim, juntaram tudo o que era necessário. Pernacurta pediu que ele colocasse a corrente a bordo do navio antes de tudo, mas não havia um homem capaz de levantá-la e não havia espaço para mais de um por vez dentro do minúsculo navio. Então, Pernacurta segurou uma ponta da corrente e colocou um ou dois elos no navio; e, quando fez isso, o navio começou a crescer e ficar cada vez maior, até finalmente estar tão grande que havia espaço suficiente e de sobra para a corrente, os quinhentos homens, a comida, Pernacurta e tudo mais. Depois, ele disse ao navio:   — À frente e ao longe, por água doce e salgada, por altas colinas e vales profundos, e não pare até chegar onde está a filha do rei.   E o navio seguiu por terra e mar, fazendo o vento assobiar atrás dele.   Quando já haviam navegado por muito tempo, o navio parou de uma vez no meio do mar.   — Ah! – disse Pernacurta. — Agora chegamos bem longe, mas como voltaremos é outra história.   Pegou a corrente, amarrou uma das pontas ao redor da cintura e disse:   — Agora, preciso ir até o fundo, mas, quando der um bom puxão na corrente e quiser subir de novo, lembrem-se de que todos vocês devem puxar com vontade, ou suas vidas se perderão, assim como a minha. – E com essas palavras lançou-se ao mar, e mergulhou, fazendo as ondas amarelas se erguerem à sua volta num redemoinho.   Ele afundou e afundou, e finalmente chegou ao fundo, e lá viu uma grande rocha erguida com uma porta cravada nela. Abriu a porta e entrou. Lá dentro, viu outra princesa, que costurava sentada, mas, quando ela viu Pernacurta, juntou as mãos e gritou:   — Graças a Deus! Você é o primeiro cristão em quem ponho os olhos desde que vim para cá.   — Muito bom – disse Pernacurta. — Mas sabia que vim buscá-la?   — Ah! – gritou ela. — Você nunca vai conseguir; nunca terá essa sorte, pois, se o troll o vir, vai matá-lo imediatamente.   — Fico feliz que tenha falado do troll – disse Pernacurta. — Seria ótimo vê-lo; onde está? A princesa contou que o troll estava à procura de alguém capaz de preparar cem litros de cerveja de uma só vez, pois daria um grande banquete, e quantidade menor não serviria.   — Ora! Eu posso fazer isso – garantiu Pernacurta.   — Ah! – disse a princesa. — Se ao menos o troll não fosse tão impaciente, eu poderia contar a ele sobre você. Mas ele é tão zangado, temo que o parta em pedaços assim que entrar, sem esperar para ouvir minha história. Deixe-me ver o que podemos fazer. Ah! Já sei; esconda-se na sala ao lado e vamos arriscar a sorte.   Pernacurta fez o que ela disse, e mal tinha se esgueirado para a outra sala quando o troll chegou.   — Huf! – disse o troll. — Que cheiro horrível de sangue cristão!   — Sim! – respondeu a princesa. — Sei disso, pois um pássaro sobrevoou a casa com o osso de um cristão no bico e o deixou cair pela chaminé. Fiz tudo o que pude para tirá-lo, mas creio que o cheiro vem de lá.   — Ah! – disse o troll. — É bem possível.   Então a princesa perguntou se o troll já sabia de alguém capaz de preparar cem litros de cerveja de uma só vez.   — Não – respondeu o troll. — Não ouvi falar de ninguém que possa fazer isso.   — Bom – disse ela —, um tempo atrás, esteve aqui um sujeito que disse ser capaz disso.   — É bem do seu feitio, com sua esperteza! – disse o troll. — Por que o deixou ir embora quando sabia que era o homem que eu procurava?   — Ora, não o deixei ir – explicou a princesa. — Mas você é um tanto temperamental, então eu o escondi acolá, na sala ao lado; mas, se você não encontrou ninguém, aqui está ele.   — Bom, faça-o entrar.   Pernacurta entrou, e o troll perguntou se era verdade que poderia preparar cem litros de cerveja de uma só vez.   — É, sim – respondeu Pernacurta.   — Então foi sorte pôr as mãos em você – disse o troll. — Vá trabalhar agora mesmo, mas que os céus o ajudem se não fizer a cerveja bem forte.   — Ah – disse Pernacurta —, não se preocupe, será a mais forte que já experimentou. – E com isso começou a trabalhar sem demora, mas de repente gritou: — Preciso de mais trolls para ajudar no preparo, pois os que tenho aqui não são fortes o bastante.   Conseguiu mais trolls – tantos, que eram um verdadeiro bando, e o preparo continuou intrepidamente. Agora, quando o mosto estava pronto, você pode imaginar que todos estavam ansiosos para experimentá-lo. O primeiro foi o troll, e depois todos os amigos e parentes. Mas Pernacurta preparou um mosto tão forte que todos caíram mortos, um depois do outro, como moscas, assim que o provaram. Por fim, não restou nenhum deles vivo, a não ser uma velha vil, que estava acamada no canto da chaminé.   — Ah, sua pobre coitada – disse Pernacurta. — Pode muito bem fazer o mesmo que eles e beber o mosto.   Ele pegou um pouco do fundo da caldeira com uma colher, e deu um gole à velha, e assim se livrou do bando todo.   Olhou à sua volta e avistou um grande baú, que pegou e encheu de ouro e prata. Depois, amarrou a corrente em torno de si, da princesa e do baú, e deu um bom puxão, e seus homens os puxaram todos juntos para cima, sãos e salvos. Assim que Pernacurta chegou ao convés, disse ao navio:   — À frente e ao longe, por água doce e salgada, por altas colinas e vales profundos, e não pare até chegar ao palácio do rei.   E na mesma hora o navio seguiu seu rumo, criando espuma nos vagalhões amarelos ao redor. Quando as pessoas no palácio viram o navio chegar, não demoraram a recebê-los com canções e música, dando boas-vindas a Pernacurta com grande alegria. Mas o mais feliz de todos era o rei, que agora tinha sua outra filha de volta.   Porém, Pernacurta estava um tanto desanimado, pois você deve saber que as duas princesas queriam se casar com ele, e este não queria outra senão aquela que havia salvado primeiro, a caçula. Assim, andava para lá e para cá, e pensava e pensava no que fazer para ficar com ela e, ainda assim, agradar a outra irmã. Bem, um dia, enquanto remoía o problema, pensou que, se ao menos tivesse consigo o irmão, Rei Robusto, tão parecido com ele que ninguém conseguiria distinguir um do outro, cederia a ele a outra princesa e metade do reino, pois achava que uma metade só bastava.   Assim que isso veio à sua mente, saiu do palácio e chamou Rei Robusto, mas ninguém apareceu. Então, chamou uma segunda vez, um pouco mais alto, mas ainda assim ninguém veio. Chamou pela terceira vez “Rei Robusto” com todas as suas forças, e lá estava o irmão diante dele. — Eu não disse? – perguntou ele a Pernacurta. — Não disse que você não deveria me chamar, a não ser em caso de extrema necessidade? E aqui não há nem mesmo um mosquito fazendo mal a você.   E com isso deu um tabefe na orelha de Pernacurta que o virou de ponta-cabeça e o derrubou na grama.   — Mas que vergonha me bater com tanta força! – disse Pernacurta. — Em primeiro lugar, conquistei uma princesa e metade do reino, depois conquistei outra princesa e a outra metade do reino, e agora estou pensando em dar a você uma das princesas e uma das metades. Há alguma razão para me dar um tabefe na orelha?   Quando Rei Robusto ouviu isso, implorou ao irmão que o perdoasse, e logo voltaram a ser os bons amigos de sempre.   — Agora – disse Pernacurta —, sabe, somos tão parecidos, que ninguém consegue distinguir um do outro. Troque de roupa comigo e entre no palácio; as princesas pensarão que sou eu quem está entrando, e aquela que o beijar primeiro será sua esposa, e eu ficarei com a outra.   E disse isso porque sabia muito bem que a filha mais velha do rei era a mais forte, portanto, podia adivinhar o que viria a seguir. Quanto a Rei Robusto, concordou sem hesitar, trocou de roupa com o irmão e entrou no palácio. Quando chegou aos aposentos das princesas, as duas pensaram que fosse Pernacurta e correram até ele para beijá-lo; mas a mais velha, que era maior e mais forte, empurrou a irmã para o lado e jogou os braços em volta do pescoço de Rei Robusto, beijando-o. Então ele a tomou por esposa, e Pernacurta ficou com a princesa caçula.   Eles se prepararam para o casamento, e você pode imaginar como a festa foi grandiosa quando digo a você que sua fama se espalhou por sete reinos.

Escrito por Grumar Drilhanror


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