Lasse, meu vassalo! Prose in Storevender | World Anvil
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Lasse, meu vassalo!

Era uma vez um príncipe ou um duque ou qualquer coisa de que você queira chamá-lo, mas, de qualquer maneira, um nobre tremendamente bem-nascido, que não queria ficar em casa. E, assim, ele viajou pelo mundo, e em todos os lugares aonde ia era bem recebido e fazia amizades com as pessoas mais importantes, porque ele tinha uma quantidade absurda de dinheiro. Ele logo encontrava amigos e conhecidos, não importava aonde ia, pois quem tem uma cuba cheia sempre encontra porcos para enfiar o focinho nela. Mas, como ele lidava desse jeito com o dinheiro, este diminuía a cada dia e, por fim, ele ficou na miséria, sem um centavo surrado, e houve um fim para todos os seus muitos amigos; pois eles fizeram como os porcos. Quando ele ficou depenado, eles começaram a se queixar e resmungar, e logo se afastaram, cada um cuidando da própria vida. E lá estava ele, depois de ser conduzido pelo nariz, abandonado por todos. Todos tinham ficado felizes de ajudá-lo a se livrar do dinheiro, mas nenhum estava disposto a ajudá-lo a ganhá-lo de novo, de modo que não havia nada que ele pudesse fazer além de voltar para casa como um aprendiz de andarilho e mendigar pelo caminho.   Certa noite, bem tarde, ele se viu em uma grande floresta, sem nenhuma ideia de onde poderia passar a noite. E, enquanto estava procurando, seu olhar caiu por acaso em uma velha cabana no meio dos arbustos. Claro que uma velha cabana não era um aposento para um cavalheiro tão importante; mas, quando não podemos ter o que queremos, devemos aceitar o que temos e, como não havia outro jeito, ele entrou na cabana. Não havia nem um gato lá dentro, nem um banco para se sentar. Mas, encostado em uma parede, havia um grande baú. O que poderia haver no baú? Será que poderia haver algumas migalhas bolorentas de pão? Seriam gostosas para ele, pois não tinha comido nada o dia todo e sentia tanta fome que seu estômago estava grudado nas costelas. Ele abriu o baú. Mas, dentro do baú, havia outro baú e, dentro deste, outro baú, e assim se sucedeu, um sempre menor que o anterior, até não haver nada além de pequenas caixinhas. E, quanto mais havia, mais ele tinha dificuldade para abri-las; pois o que estava escondido com tanto cuidado devia ser algo excepcionalmente lindo, pensou ele.   Por fim, ele chegou a uma caixa minúscula, e nela havia uma folha de papel – e isso foi tudo que ele ganhou pelo transtorno! No início, ele ficou muito deprimido. Mas, de repente, viu que havia alguma coisa escrita na folha de papel e, examinando com atenção, conseguiu distinguir as palavras, apesar de terem uma aparência estranha. E leu: — Lasse, meu vassalo!   Assim que falou essas palavras, alguma coisa respondeu perto do ouvido dele:   — O que meu mestre ordena?   Ele olhou ao redor, mas não viu ninguém. Isso é estranho, pensou, e mais uma vez leu em voz alta:   — Lasse, meu vassalo!   E, assim como antes, veio a resposta:   — O que meu mestre ordena?   — Se houver alguém por perto que ouça o que estou dizendo, pode ser gentil o suficiente para me dar alguma coisa para comer? – pediu; e, naquele mesmo instante, uma mesa, coberta com todas as coisas boas de comer que se poderia imaginar, apareceu na cabana. Ele imediatamente começou a comer e a beber e ficou bem. Nunca tive uma refeição melhor do que essa na vida, pensou. E, quando a fome estava totalmente saciada, ele sentiu sono e pegou a folha de papel de novo. — Lasse, meu vassalo!   — O que meu mestre ordena?   — Agora que você me trouxe comida e bebida, também deve me trazer uma cama para dormir. Mas deve ser uma boa cama – ordenou. Como você pode imaginar, suas ideias, depois de comer bem, agora eram muito arrogantes. O comando foi obedecido de imediato; e apareceu na cabana uma cama tão boa e bonita que um rei poderia ter ficado feliz ao encontrar essas acomodações. Isso estava muito bem e ótimo; mas o bom sempre pode ser melhorado e, quando ele se deitou, decidiu que, no fim das contas, a cabana era miserável demais para uma cama tão boa. Ele pegou a folha de papel:   — Lasse, meu vassalo!   — O que meu mestre ordena?   — Se você consegue produzir essa refeição e essa cama aqui na floresta selvagem, certamente será capaz de me dar um aposento melhor; pois você sabe que estou acostumado a dormir em um castelo, com espelhos dourados e tapetes com brocado de ouro e luxos e conveniências de todo tipo – disse ele. E, assim que falou as palavras, estava deitado no quarto mais magnífico que já tinha visto. Agora que tudo estava do seu jeito, ele ficou satisfeito quando virou o rosto para a parede e fechou os olhos.   Mas o quarto em que tinha dormido não era o fim dessa grandiosidade. Quando acordou na manhã seguinte e olhou ao redor, viu que estava dormindo em um castelo imponente. Havia um cômodo ao lado de outro e, aonde quer que ele fosse, as paredes e os tetos eram cobertos com ornamentos e decorações de todo tipo, todas reluzindo com tanto esplendor quando os raios do sol batiam nelas que ele teve de proteger os olhos com a mão; pois, para onde quer que olhasse, tudo parecia salpicado de ouro e prata. Então ele olhou pela janela e começou a perceber como tudo era realmente lindo. As árvores de abeto e os arbustos de junípero tinham sumido, e em seu lugar surgiu o jardim mais adorável que se pode desejar ver, repleto de belas árvores e arbustos e rosas de todas as variedades. Mas não havia nem um ser humano à vista, nem mesmo um gato, mas, ainda assim, ele achou natural que tudo fosse tão belo e que mais uma vez ele tivesse se tornado um lorde importante.   Ele pegou a folha de papel:   — Lasse, meu vassalo!   — O que meu mestre ordena?   — Agora que você me deu comida e um castelo para morar, vou ficar aqui, porque isso me convém – disse ele —, mas não posso morar aqui sozinho desse jeito. Preciso ter criados e criadas sob o meu comando. – E assim foi. Serviçais e lacaios e criadas e serventes de todas as descrições chegaram, e alguns deles faziam mesuras e outros faziam reverências, e agora o duque realmente começava a se sentir satisfeito.   O que aconteceu foi que havia outro castelo imponente do outro lado da floresta, no qual morava um rei que era dono da floresta e de muitos hectares amplos de campos e prados ao redor. E, quando o rei olhou pela janela, viu o novo castelo, em cujo teto os galos do vento estavam girando e cintilando em seus olhos.   Isso é muito estranho, o rei pensou, e mandou chamar seus cortesãos. Eles chegaram rapidamente, fazendo reverências e mesuras.   — Estão vendo o castelo ali adiante? – indagou o rei.   Os olhos deles cresceram como pires, e eles olharam.   Sim, de fato, eles viam o castelo.   — Quem teve a ousadia de construir esse castelo no meu terreno? Os cortesãos fizeram reverências e mesuras, mas não sabiam. Então o rei mandou chamar os soldados. Eles entraram marchando e apresentaram as armas.   — Enviem todos os meus soldados e cavaleiros – disse o rei —, derrubem o castelo imediatamente, enforquem quem o construiu e façam isso agora mesmo.   Os soldados se reuniram com muita pressa e partiram. Os tocadores de tambor batiam os tambores e os trombeteiros sopravam as trombetas, e os outros músicos praticavam sua arte, cada um do seu jeito; de modo que o duque os escutou muito antes de eles aparecerem. Mas essa não era a primeira vez que ouvia uma música desse tipo, e ele sabia o que significava, então, mais uma vez, pegou a folha de papel:   — Lasse, meu vassalo!   — O que meu mestre ordena?   — Há soldados a caminho – disse ele —, e agora você deve me fornecer soldados e cavaleiros até que eu tenha o dobro do povo do outro lado da floresta. E sabres e pistolas e mosquetes e canhões, e tudo o mais; mas você precisa ser rápido!   Foi rápido mesmo e, quando o duque olhou pela janela, havia uma multidão de soldados ao redor do castelo.   Quando os soldados do rei chegaram, eles pararam e não tiveram coragem de avançar. Mas o duque não se intimidou. Foi imediatamente até o capitão do rei e perguntou o que ele queria.   O capitão repetiu suas instruções.   — Isso não vai levar vocês a lugar nenhum – disse o duque. — Você está vendo quantos soldados eu tenho, e se o rei concordar em me ouvir, podemos nos tornar amigos, e eu o ajudarei contra todos os seus inimigos, e teremos sucesso em tudo que fizermos.   O capitão ficou satisfeito com essa proposta, então o duque o convidou para ir ao castelo com todos os oficiais, e seus soldados receberam um gole ou dois de bebida e o suficiente para comer. Mas, enquanto o duque e os oficiais estavam comendo e bebendo, houve uma conversa entre eles, e o duque ficou sabendo que o rei tinha uma filha, ainda solteira e tão adorável que seu rosto nunca tinha sido visto. E, quanto mais eles levavam para os oficiais do rei comerem, mais eles se sentiam inclinados à opinião de que a filha do rei daria uma boa esposa para o duque. E, enquanto conversaram, o próprio duque começou a pensar na ideia. O pior de tudo, disseram os oficiais, era que ela era muito esnobe e nunca sequer se dignou a olhar para um homem. Mas o duque simplesmente riu. — Se não for pior do que isso – disse ele —, é um problema que pode ser curado.   Quando os soldados finalmente tinham armazenado tudo que podiam, eles gritaram “urra” até despertarem os ecos nas colinas e foram embora marchando. Pode-se imaginar que bela marcha foi, já que alguns tinham ficado com os joelhos bambos. O duque os encarregou de levar seus cumprimentos ao rei e disse que em breve lhe faria uma visita.   Quando o duque voltou a ficar sozinho, começou a pensar na princesa de novo e se ela realmente era tão linda quando os soldados haviam dito. Decidiu que gostaria de descobrir por conta própria. Como tantas coisas estranhas tinham acontecido naquele dia, era bem possível, pensou.   — Lasse, meu vassalo!   — O que meu mestre ordena?   — Só que você traga a filha do rei aqui, assim que ela adormecer – disse ele. — Mas tome cuidado para ela não acordar nem na vinda para cá nem na volta para lá.   E, em pouco tempo, a princesa estava deitada na cama. Dormia profundamente e parecia encantadora deitada ali. Era de se admitir que ela era doce como açúcar. O duque andou ao redor; mas ela parecia tão linda de um lado quanto de outro, e quanto mais o duque olhava, mais ela o encantava.   — Lasse, meu vassalo!   — O que meu mestre ordena?   — Você deve levar a princesa para casa de novo – disse ele —, porque agora eu sei qual é a aparência dela e amanhã vou pedir sua mão.   Na manhã seguinte, o rei chegou à janela. Eu não devia ter de ver aquele castelo no meu caminho, pensou consigo. Mas o mal deve ter dado uma mãozinha no assunto: lá estava o castelo exatamente como antes, e o sol brilhava forte no telhado, e o cata-vento lançava raios nos seus olhos.   O rei mais uma vez ficou irritado e gritou chamando todo o povo, que correu até ele com uma rapidez maior do que a de sempre. Os cortesãos fizeram mesuras e reverências, e os soldados marcharam no passo de desfile e apresentaram as armas.   — Estão vendo aquele castelo ali? – rugiu o rei.   Eles esticaram o pescoço, os olhos cresceram como pires, e eles olharam. Sim, de fato, eles o viam.   — Não ordenei que vocês derrubassem aquele castelo e enforcassem quem o construiu? – indagou ele.   Isso eles não podiam negar; mas agora o capitão deu um passo à frente e contou o que tinha acontecido, e o número alarmante de soldados que o duque tinha, e como o castelo era magnífico.   Então repetiu o que o duque dissera e que ele havia mandado seus cumprimentos para o rei.   Tudo isso deixou o rei meio tonto, e ele teve de colocar a coroa na mesa e coçar a cabeça. Era além da sua compreensão, mas ele era o rei. Tudo se passara durante uma única noite; se o duque não fosse o próprio diabo, no mínimo era um mago.   E, enquanto estava sentado ali pensando, a princesa apareceu.   — Deus o abençoe, pai – disse ela —, tive um sonho muito estranho e adorável na noite passada.   — E com o quê você sonhou, minha menina? – perguntou o rei.   — Ah, eu sonhei que estava no novo castelo mais adiante e havia um duque, bonito e tão esplêndido acima de tudo que eu poderia ter imaginado, e agora eu quero um marido.   — O quê? Você nunca se dignou a olhar para um homem e agora quer um marido? Isso é muito estranho! – disse o rei.   — Pode ser – disse a princesa —, mas é assim que me sinto agora; eu quero um marido, e o duque é o marido que eu quero – concluiu.   O rei simplesmente não conseguia superar o espanto que o duque havia provocado nele.   De repente, ele ouviu uma batida extraordinária de tambores e o som de trombetas e outros instrumentos de todo tipo. E veio uma mensagem informando que o duque havia chegado com um grande séquito, todos tão magnificamente bem-vestidos que cada fio das roupas reluzia com ouro e prata. O rei, usando sua coroa e seu melhor roupão cerimonial, estava em pé no alto da escadaria, olhando para baixo, e a princesa estava ainda mais inclinada a cumprir sua ideia o mais rápido possível.   O duque cumprimentou o rei de um jeito agradável, e o rei retribuiu o cumprimento da mesma forma e, discutindo seus assuntos juntos, eles se tornaram bons amigos. Houve um grande banquete, e o duque se sentou à mesa ao lado da princesa. O que disseram um ao outro eu não sei, mas o duque sabia conversar tão bem que não importa o que ele disse; a princesa não conseguiu dizer não, então ele foi até o rei e implorou pela mão dela. O rei não podia exatamente recusar, pois o duque era o tipo de homem que era melhor ter como amigo do que inimigo; mas também não podia dar uma resposta sem pensar. Primeiro, ele quis ver o castelo do duque e saber como ele cuidava disso, daquilo e daquilo outro, o que era natural. E, assim, eles combinaram que deveriam fazer uma visita ao duque e levar a princesa, para ela poder analisar as posses dele. E, com isso, partiram.   Quando o duque chegou em casa, Lasse teve muito trabalho, pois recebeu muitas funções. Mas ele se apressou, realizando-as, e tudo estava arrumado de maneira tão satisfatória que, quando o rei chegou com a filha, mil canetas não poderiam ter descrito o local. Eles foram a todos os cômodos e olharam ao redor, e tudo era como deveria ser, e ainda melhor, pensou o rei, que estava muito feliz. Então o casamento foi celebrado e, quando a cerimônia terminou e o duque voltou para casa com a jovem esposa, ele também ofereceu um banquete esplêndido, e foi o que aconteceu.   Depois de um tempo, certa noite, o duque ouviu as palavras:   — Meu mestre está satisfeito agora? – Era Lasse, apesar de o duque não conseguir vê-lo.   — Estou bem satisfeito – respondeu o duque —, pois você me trouxe tudo que eu tenho.   — Mas o que foi que recebi em troca? – indagou Lasse.   — Nada – respondeu o duque —, mas, céus, o que eu poderia lhe dar, já que você não é de carne e osso e eu nem consigo vê-lo? – completou. — Mas se houver alguma coisa que eu possa fazer por você, me diga o que é, e eu farei.   — Eu gostaria muito de ficar com a folha de papel que você guarda na caixa – disse Lasse.   — Se isso é tudo que você quer, e se essa ninharia é útil para você, seu desejo será realizado, pois acredito que já sei as palavras de cor – disse o duque.   Lasse agradeceu e disse que tudo que o duque precisava fazer era colocar o papel na cadeira ao lado da cama quando fosse dormir, e ele o pegaria durante a noite.   Foi isso o que o duque fez, depois foi para a cama e caiu no sono. Mas, perto do amanhecer, o duque acordou, sentindo tanto frio que seus dentes batiam. Quando abriu totalmente os olhos, viu que tinha sido desprovido de tudo e que mal tinha uma camisa em seu nome. E, em vez de estar deitado na bela cama, no belo quarto no magnífico castelo, estava deitado no grande baú na velha cabana. Ele imediatamente gritou:   — Lasse, meu vassalo! – Mas não houve resposta.   Ele gritou de novo:   — Lasse, meu vassalo! – Mais uma vez, não houve resposta.   Então ele gritou o mais alto possível:   — Lasse, meu vassalo! – Mas esse terceiro grito também foi em vão.   Ele começava a perceber o que tinha acontecido, e que Lasse, quando obteve a folha de papel, não tinha mais de servi-lo, e que ele mesmo tinha possibilitado isso. Mas agora as coisas eram como eram, e lá estava o duque na velha cabana, mal tendo uma camisa para si. A princesa também não estava muito melhor, apesar de ter mantido suas roupas, pois tinham sido dadas por seu pai, o rei, e Lasse não tinha poder sobre elas.   O duque teve de explicar tudo para a princesa e implorar para ela deixá-lo, já que seria melhor se ele tentasse sobreviver sozinho do melhor jeito possível. Mas isso a princesa não faria. Tinha uma memória melhor para o que o sacerdote dissera quando os casou, explicou ela, e nunca, nunca ia abandoná-lo.   O rei finalmente acordou no próprio castelo e, quando olhou pela janela, não viu nem uma pedra do outro castelo no qual o genro e a filha moravam. Ficou inquieto e mandou chamar seus cortesãos.   Eles chegaram, fazendo reverências e mesuras.   — Vocês veem o castelo ali, do outro lado da floresta? – perguntou.   Eles esticaram o pescoço e abriram os olhos. Mas não conseguiam ver nada.   — O que foi feito dele? – indagou o rei. Mas, essa pergunta, eles não eram capazes de responder.   Em pouco tempo, o rei e toda a corte partiram, passaram pela floresta e, quando chegaram ao local onde o castelo, com seus jardins imponentes, deveria estar, não viram nada além de arbustos de junípero e pinheiros. E, por acaso, viram a pequena cabana no meio do mato. Ele entrou e – ó, pobre rei! – o que foi que ele viu? Lá estava seu genro, mal tendo uma camisa para si, e sua filha, e ela não tinha muita coisa para vestir, e estava chorando e lamentando de maneira apreensiva.   — Pelos céus, o que está acontecendo aqui? – disse o rei. Mas não recebeu nenhuma resposta, pois o duque preferia morrer do que lhe contar a história toda.   O rei insistiu e o pressionou; primeiro, de maneira amigável; depois, com raiva. Mas o duque continuou obstinado e não tinha nada a dizer. Então o rei ficou enfurecido, o que não é muito surpreendente, pois agora percebia que esse belo duque não era o que aparentava ser e, portanto, ordenou que fosse enforcado imediatamente. É verdade que a princesa implorou com sinceridade por ele, mas lágrimas e orações eram inúteis agora, pois ele era um crápula e devia ter a morte de um crápula; assim mandava o rei.   E assim foi. O povo do rei montou uma forca e colocou a corda ao redor do pescoço do duque. Mas, enquanto o conduziam até a forca, a princesa chamou o carrasco e lhe deu uma gorjeta, para que eles arrumassem as coisas de modo que o duque não precisasse morrer. Perto do fim da tarde, eles cortariam a corda, e ele e a princesa iriam desaparecer. Assim a barganha foi feita. Nesse meio-tempo, eles o penduraram, e o rei, com sua corte e todo o povo, foram embora.   Agora o duque estava na ponta da corda. Mas teve tempo suficiente para refletir sobre seu erro de não se contentar com um centímetro em vez de procurar um metro; e o fato de ter, tão tolamente, devolvido a folha de papel a Lasse o irritava acima de tudo. Se ao menos eu o tivesse outra vez, mostraria a todos que a adversidade me tornou sábio, pensou consigo. Mas depois que o cavalo é roubado, fechamos a porta do estábulo. E é assim que o mundo funciona.   Então, ele pendurou as pernas, já que, neste momento, não havia mais nada que pudesse fazer.   Tinha sido um dia longo e difícil, e ele não ficou triste quando viu o sol afundando atrás da floresta. Mas, quando o sol estava se pondo, de repente ele ouviu um “iuhu” tremendo e, quando olhou para baixo, havia sete carroças de sapatos surrados vindo pela estrada e, em cima da última carroça estava um velhinho de cinza, com um gorro de dormir na cabeça. Tinha o rosto de um espectro terrível, e não era muito melhor em outros aspectos.   Ele seguiu direto até a forca e parou quando estava diretamente embaixo, olhou para o duque e riu. Que velha criatura horrorosa! — E essa é a medida da sua estupidez? – disse ele. — Por outro lado, o que um camarada do seu tipo faz com sua estupidez, senão colocá-la em uso? – E riu de novo. — Sim, aí está você pendurado, e aqui estou eu, carregando todos os sapatos que usei fazendo seus serviços tolos. Às vezes me pergunto se você realmente consegue ler o que está escrito nesta folha de papel e se reconhece – comentou, rindo de novo, se entregando a todo tipo de brincadeira grosseira e acenando a folha de papel embaixo do nariz do duque.   Mas todos que estão pendurados na forca não estão mortos, e desta vez Lasse foi o maior tolo entre os dois.   O duque deu um bote e arrancou a folha de papel da mão dele!   — Lasse, meu vassalo!   — O que meu mestre ordena?   — Corte a corda da forca imediatamente e restaure o castelo e todo o resto como era antes; depois, quando estiver escuro, traga a princesa de volta.   A ordem foi cumprida com uma rapidez alarmante, e em pouco tempo tudo estava exatamente como era antes de Lasse ter fugido.   Quando o rei acordou na manhã seguinte, olhou pela janela, como sempre, e lá estava o castelo de antes, com os galos do tempo reluzindo lindamente sob a luz do sol. Mandou chamar os cortesãos, e eles vieram, fazendo reverências e mesuras.   — Vocês estão vendo o castelo adiante? – perguntou o rei.   Eles esticaram o pescoço e olharam e encararam. Sim, de fato, eles viam o castelo.   Então o rei mandou chamar a princesa; mas ela não estava lá. Assim, o rei partiu para ver se o genro estava enforcado no local especificado; mas, não, não havia nem sinal do genro e nem da forca.   Ele teve de tirar a coroa e coçar a cabeça. Mas isso não mudava a situação, e ele não conseguia entender o que acontecera. O rei enfim partiu com toda a corte e, quando chegaram ao local onde o castelo deveria estar, lá estava ele.   Os jardins e as rosas eram exatamente como antes, e os serviçais do duque eram vistos em multidões sob as árvores.   Seu genro em pessoa, junto com sua filha, os dois usando as roupas mais elegantes, desceram a escada para encontrá-lo. O diabo tem um dedo nisso, pensou o rei; e tudo lhe parecia tão estranho que ele não acreditava nas evidências dos próprios olhos.   — Deus o abençoe e receba, pai! – disse o duque.   O rei só conseguia encará-lo.   — Você é... você é meu genro? – perguntou.   — Ora, mas é claro – respondeu o duque —, quem mais eu poderia ser?   — Eu não mandei enforcá-lo ontem como ladrão e vagabundo? – indagou o rei.   — Eu realmente acredito que o pai perdeu a cabeça no caminho até aqui – disse o duque e riu. — O pai pensa que eu permitiria que me enforcassem com tanta facilidade? Ou há alguém presente que teria a ousadia de supor algo assim? – comentou, olhando nos olhos de todos, de modo que eles sabiam que ele os estava desafiando.   Eles se dobraram e fizeram reverências.   — E quem poderia imaginar algo assim? Como seria possível? Ou, se houver alguém presente que teria a ousadia de dizer que o rei quer o meu mal, que fale agora – provocou o duque, e os encarou de maneira mais penetrante do que antes. Todos se dobraram e fizeram reverências.   Como algum deles poderia chegar a essa conclusão? Não, nenhum deles era tolo a esse ponto, disseram.   Agora o rei realmente não sabia o que pensar. Quando olhava para o duque, tinha certeza de que nunca teria desejado o seu mal, e, mesmo assim, não tinha tanta certeza.   — Não estive aqui ontem, e o castelo tinha desaparecido e uma velha cabana estava no lugar, e não entrei na cabana e o vi em pé ali, mal tendo uma camisa em seu nome? – perguntou.   — Como o pai fala – respondeu o duque —, tenho muito medo que trolls o tenham cegado e levado para o mau caminho na floresta. O que vocês acham? – perguntou e se virou para os cortesãos.   Eles imediatamente fizeram uma reverência e se curvaram em sucessão e tomaram o lado do duque, como seria razoável.   O rei esfregou os olhos e olhou ao redor.   — Deve ser como você diz – confirmou ele ao duque —, e acredito que recuperei minha razão e encontrei meus olhos outra vez. E teria sido um pecado e uma pena se eu tivesse enforcado você – disse. Ele ficou alegre, e ninguém pensou mais no assunto. Mas a adversidade ensina as pessoas a serem sábias, como dizem por aí, e o duque agora começou a cuidar da maioria das coisas sozinho, para que Lasse não tivesse de usar tantos pares de sapatos. O rei entregou metade do reino a ele, e isso lhe deu muita coisa para fazer, e as pessoas comentaram que seria necessário procurar muito longe para encontrar um governante melhor.   Então, um dia, Lasse foi até o duque e, apesar de não parecer muito melhor do que antes, foi mais civilizado e não se arriscou a sorrir e seguir adiante.   — Você não precisa mais da minha ajuda – disse —, pois, apesar de antes eu ter usado todos os meus sapatos, agora não consigo usar nem um par, e quase acredito que as minhas pernas desenvolveram musgo. Você não vai me dispensar?   O duque pensou que podia fazer isso.   — Passei por grandes dores para poupá-lo, e realmente acredito que posso seguir sem você – respondeu. — Mas o castelo aqui e todas as outras coisas eu não posso dispensar, já que nunca poderia encontrar um arquiteto como você, e pode ter certeza que não desejo ornamentar a árvore da forca pela segunda vez. Portanto, não vou, por livre e espontânea vontade, devolver a folha de papel – concluiu.   — Enquanto ele estiver nas suas mãos, não tenho nada a temer – respondeu Lasse. — Mas, se o papel cair em outras mãos, terei de começar a correr e trabalhar de novo, e isso, apenas isso, é o que eu gostaria de evitar. Quando um camarada está trabalhando há mil anos, como eu estou, ele tende a ficar cansado em algum momento.   Então eles chegaram à conclusão de que o duque deveria colocar a folha de papel na caixinha e enterrá-la a sete palmos no subsolo, embaixo de uma pedra que havia crescido ali e que ficaria no mesmo lugar. Um agradeceu ao outro pela camaradagem agradável e depois se separaram. O duque fez o que tinha concordado em fazer, e ninguém o viu escondendo a caixa. Ele viveu feliz com a princesa e foi abençoado com filhos e filhas. Quando o rei morreu, ele herdou todo o reino e, como você pode imaginar, não foi prejudicado por isso, e sem dúvida ainda está morando e governando lá, a menos que tenha morrido.   Quanto à caixinha contendo a folha de papel, muitos ainda estão escavando e procurando por ela.

Escrito por Gasarg Djurklou


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