A Saga do Alce Skutt e da Princesa Tuvstarr Prose in Storevender | World Anvil
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A Saga do Alce Skutt e da Princesa Tuvstarr

Talvez você já tenha estado nas extensas florestas ao Norte, e talvez já tenha visto uma daquelas lagoas escuras e misteriosas, que se escondem lá no fundo da floresta, e que parecem mágicas e até assustadoras. Em volta, o silêncio é completo – a vegetação cerrada de abetos e pinheiros jaz serena ao redor. Por vezes, as árvores se debruçam sobre a água, mas o fazem com muito cuidado e timidez, pois só têm curiosidade acerca do que se oculta nas profundezas. Lá embaixo cresce outra floresta, envolta no mesmo encanto e imobilidade. Mas jamais as duas florestas conversaram entre si, o que é o maior dos mistérios. Na beira, e aqui e ali na água, vê-se as mais doces moitas, vestidas em marrom-musgo, e sobre as moitas encontram-se florzinhas brancas e lanosas. Tudo é tão silencioso – nem sequer um barulho, nem sequer um bater de asa, o balanço de uma brisa –, toda a natureza parece estar prendendo a respiração, e escute – escute com o coração palpitante: logo, logo, logo.   E assim começa um burburinho no topo dos altos pinheiros, e as copas se aproximam e se espaçam num suspiro cantante: sim, já o viram, longe, longe daqui, logo ele estará aqui, ele vem, ele vem. E o suspiro avança pela floresta, os arbustos sopram e falam em segredo, e as florzinhas brancas se curvam uma diante da outra: sim, ele vem, ele vem. E o espelho d’água se mexe e murmura: ele vem, ele vem. Ouve-se, de longe, alguns estalidos, que se aproximam e se misturam num estrondo, que aumenta, cresce, tornando-se uma quebradeira de arbustos, ramos e galhos; ouve-se algumas pisadas rumorosas e aceleradas, uma bufada ofegante e, com o peito úmido, um alce macho sai do mato e avança até a beira, detêm-se e sacode seu focinho arquejante e fareja ao redor. Ele agita sua galhada, as narinas tremem; depois, fica parado como uma estátua, mas, no instante seguinte, segue seu caminho a passos imponentes, sobre o fundo instável das moitas, e desaparece do outro lado da floresta.   Essa é a vida real. Agora a saga começa.   O sol brilha como ouro luzente sobre o prado ao Castelo do Sonho. É Verão, e o prado exibe milhares de flores perfumadas. Entre as flores, está sentada uma menina loira e rosada, cuidando de seus longos cabelos amarelo-claros. Por entre seus dedinhos, escorre o dourado sol de verão. No chão, ela coloca sua coroa de ouro. A menina é a princesinha do Castelo do Sonho, e hoje ela saiu de fininho do magnífico salão, onde Rei Pai e Rainha Mãe sentam-se em tronos de ouro, com cetro e orbe nas mãos, regendo seu povo natal. Hoje, a princesinha queria estar sozinha e livre, e andar pelo prado em flor, que sempre foi seu lugar de brincar favorito.   A princesa é pequena, esguia e bela, e é ainda uma criança. Traz um vestido do mais branco dos brancos, de seda e musselina fina como gaze.   Tuvstarr – assim que a chamam.   Com seus delgados dedinhos, ela cuida dos seus cabelos dourados e sorri para o brilho dos caracóis anelados. Um alce relincha e passa adiante. Ela ergue o olhar.   — Quem é você?   — Eu sou Pernalonga Skutt11. E como te chamam?   — Tuvstarr12, a princesa. Vê? – E assim ela pega a coroa sobre a grama e a mostra para ele.   O alce para e olha para princesa por muito tempo, e baixa a cabeça, pensativo.   — Você é bela, pequena.   Tuvstarr se levanta, vai de mansinho até ele, se apoia sobre seu focinho trêmulo e o acaricia gentilmente.   — Você é tão grande e imponente. E também tem uma coroa. Me leve! Me deixe montar em você! E me carregue pela vida afora!   O Alce fica em dúvida.   — Minha criança, o mundo é frio e grande, e você é tão pequena. O mundo é cheio de maldade e de dor, e pode te machucar.   — Ah, bobagem; eu sou jovem e calorosa, tenho calor para todos. Sou pequena e bondosa; quero oferecer minha bondade.   — Tuvstarr, princesa, a floresta é sombria, e o caminho é perigoso.   — Mas você está comigo. Você é grande e forte, e pode proteger nós dois.   O alce então ergue a cabeça e sacode sua enorme galhada. Seus olhos brilham como fogo. Tuvstarr bate palmas com suas mãozinhas. — Muito bem, muito bem. Mas você é alto demais – se agache para eu poder subir.   O alce docilmente se põe no chão, e Tuvstarr senta-se com firmeza sobre ele.   — Ótimo, estou pronta. E, agora, me mostre o mundo.   O alce se ergue devagar, com medo dela cair.   — Segure firme na minha galhada!   Depois, ele segue pelo caminho com passos largos. Tuvstarr jamais tinha se divertido tanto, e nunca pôde avistar tanta beleza e novidade. Nunca antes ela deixou o prado no Castelo do Sonho. Eles vagaram por montes e montanhas, vales e planícies.   — Para onde você está me carregando? – pergunta Tuvstarr.   — Para a Floresta do Pântano – responde Skutt —, pois lá estou em casa. Lá não há nada para nos incomodar. Mas ainda falta um pedaço.   A noite se aproxima, e Tuvstarr fica com fome e sono.   — Já se arrependeu? – zombou de leve o alce —, mas agora já é tarde demais para voltar. Fique calma. O pântano é repleto de frutinhas silvestres, amoras deliciosas que você vai poder comer. É lá que tenho minha morada.   Eles andam por mais um instante, e então a floresta começa a rarear, e Tuvstarr vê um pântano que se estende por milhas, onde as moitas se agrupam em macios montes e em poços, e onde somente um outro arbusto encolhido se aventura.   — Vamos ficar aqui – diz Skutt, se agachando para que Tuvstarr possa descer. — E vamos fazer nossa ceia.   Tuvstarr esquece toda vontade de dormir, e agilmente pula de moita em moita, como Skutt acabou de lhe ensinar, e colhe ramos de amoras silvestres, cheios de frutinhas deliciosas que ela devora, mas que também oferece para Pernalonga Skutt.   — Agora precisamos nos apressar até minha morada, antes que escureça ainda mais – diz Skutt e, com isso, Tuvstarr monta em suas costas.   Skutt segue adiante, com segurança, sobre o pântano, sem mesmo ter que testar suas pisadas para sentir se as moitas são firmes ou não. Afinal, foi ali onde ele nasceu. — Quem são aqueles que estão dançando lá em frente? – pergunta Tuvstarr.   — São elfos. Tenha cuidado com eles! São belos e amistosos, mas não são confiáveis. E lembre-se do que eu digo: não fale com eles, e segure firme na minha galhada; finja que eles não existem.   — Sim – promete Tuvstarr.   Mas agora os elfos já os viram. Eles flutuam ao redor em cirandas, dançam para cima e para baixo diante do alce e avançam com zombaria contra Tuvstarr. Ela pensa em tudo que Skutt acabou de lhe dizer e se sente ansiosa, segurando firme na cabeça do alce.   — Quem é você? Quem é você?   Centenas de perguntas são sussurradas à volta dela, que sente o hálito frio dos elfos. Mas ela não responde.   Então os delgados elfos em véus brancos tornam-se mais e mais ávidos, tentam puxar seu comprido cabelo loiro e o vestido, mas não conseguem segurar direito. Skutt somente bufa e corre.   Tuvstarr percebe de repente que sua coroa está para cair da cabeça, e ela fica com medo de perdê-la – imagina o que o Rei Pai e a Rainha Mãe diriam; eles, que lhe deram a coroa – e assim ela se esquece do que Skutt disse, e grita contra eles, solta uma mão e leva ao cabelo. Mas então vocês deviam ter visto. Os elfos num instante tiveram poder sobre ela – embora não de todo, pois ela ainda mantinha a outra mão firme sobre a galhada do a alce – e com uma risada de escárnio eles lhe arrancam a brilhante coroa e velozmente voam para longe.   — Ó, minha coroa, minha coroa, – diz Tuvstarr, entre soluços.   — Sim, sua coroa. Por que não fez como eu lhe disse? – pergunta Skutt, repreendendo-a. — A culpa é sua. Jamais terá sua coroa de volta, mas fique contente por não ter sido pior.   Ela não podia, contudo, pensar em algo pior do que o que acabara de acontecer.   Entretanto, Skutt seguiu marchou em frente, e logo indicou para Tuvstarr um grupo de arvorezinhas, com uma ilhota no meio do pântano.   — Lá está minha morada – diz Skutt —, e lá vamos dormir.   Eles logo chegam a um pequeno monte que se eleva do terreno pantanoso ao redor; graças ao abrigo de abetos e pinheiros, o terreno é seco e agradável. Tuvstarr dá um beijo de boa noite no seu querido amigo Skutt, despe-se do vestido e o pendura sobre um galho, e então se deita no chão para dormir, enquanto o alce de longas pernas a protege, posicionando-se sobre ela. A escuridão da noite é quase completa, e algumas estrelinhas brilham no céu.   Cedinho na manhã seguinte, Tuvstarr é despertada por Skutt que encosta o focinho de leve sobre a testa da menina. Ela se levanta de um pulo e estica o corpinho nu contra a luz vermelho-amarelo da manhã, e depois junta gotas de orvalho nas mãos e bebe. Um coraçãozinho de ouro, que se pendura num colar ao seu pescoço, reluz como fogo ao sol.   — Hoje quero passar o dia nua – grita ela —, vou por o vestido na frente, e você me leva nas suas costas e me mostra um pouco mais do mundo.   Sim, o alce faz como ela quer. Ele não consegue lhe recusar nada. Por toda a noite ele permaneceu acordado, apenas observando a menininha branca e peculiar debaixo dele, e, quando a manhã chegou, era como se tivesse lágrimas nos olhos. Ele não sabia bem o que o tomava; entendia que, com o chegar do Outono, sentia falta de lutas e perigos, e uma vontade de não andar sozinho. De repente, ele dispara contra a floresta. Tuvstarr tem muita dificuldade de se manter sobre ele. Os galhos acertam seu rosto e seu corpo, e seu coraçãozinho dourado no colar revira sobre o pescoço. Tão veloz quanto possível.   Mas, aos poucos, Skutt se acalma e diminui o passo veloz. Eles avançam através de uma floresta extensa e misteriosa. Os pinheiros portam longas e espessas barbas, as raízes se entrelaçam feito cobras no chão, e enormes pedras cobertas de musgo jazem como ameaças no caminho. Tuvstarr jamais viu nada de tão estranho.   Mas o que é o que se mexe entre as árvores? Parece uma longa cabeleira verde, com um par de braços brancos acenando.   — Ah, é a Ninfa da Floresta – diz Skutt –, seja educada, mas não pergunte nada e, acima de tudo, não solte as mãos da minha galhada.   Tuvstarr com certeza vai tomar esse cuidado.   A Ninfa se aproxima, deslizando. Ela jamais se mostra de fato, escondendo-se sempre pela metade detrás de um tronco, olhando com curiosidade, vindo sorrateira. Tuvstarr mal ousa olhá-la, mas percebe que a Ninfa tem olhos frios e verdes, e a boca vermelha de sangue.   A Ninfa se esgueira de árvore em árvore e os segue, na velocidade com que o alce corre. A Ninfa conhece Skutt desde velhos tempos, mas aquela menina branca e pequenina que ele traz nas costas, a menina com cabelos ensolarados, essa ela não sabe dizer quem é, e ela precisa descobrir. — Como você se chama? – grita a Ninfa, de repente.   — Tuvstarr, princesa do Castelo dos Sonhos, – responde a pequena, com timidez, tendo o cuidado de não perguntar o nome de volta, bem como tinha sido avisada.   — O que é o que você traz diante de si? – pergunta a Ninfa.   — É o meu vestido mais lindo – responde Tuvstarr, com um pouco mais de coragem.   — Ó, posso ver? – pergunta a Ninfa.   — Sim, claro que pode. – E Tuvstarr solta contente uma mão da galhada e exibe o vestido.   Mas isso ela não devia jamais ter feito, pois num estalo a Ninfa agarra a vestimenta e desaparece em um segundo dentro da floresta.   — Por que você soltou uma mão? – reclama Skutt. – Se tivesse soltado a outra também, teria ido com ela, e jamais voltaria com vida.   — Sim, mas o vestido, o vestido – soluça Tuvstarr. Mas, aos poucos, ela se esquece dele.   E assim aquele dia também se passa, e, de noite, Tuvstarr dorme debaixo de um pinheiro, enquanto Skutt fica a seu lado, de guarda.   Quando ela acorda na manhã seguinte, o alce não estava por perto.   — Skutt, Pernalonga Skutt! Onde está? – grita ela, assustada, levantando-se de um pulo.   E lá vem o alce, ofegante, saindo do mato. Ele havia estado em cima do monte, olhando em direção Leste e farejando. O que ele estava farejando? Isso ele não podia dizer. Mas o couro está suado, e o corpo tremendo.   Ele parece estar com pressa de seguir caminho e se agacha para Tuvstarr. Ela monta em suas costas, e ele toma o caminho velozmente. Para leste, para leste! Ele mal escuta o que Tuvstarr lhe grita, e tampouco responde. Ele sente como se a febre ardesse em seu corpo. E como que furioso ele abre espaço no matagal.   Sobem um monte, rumo ao sombrio interior da floresta.   — Para onde está me levando agora? – pergunta Tuvstarr. — Para a lagoa. – É a resposta.   — E que lagoa é essa?   — Fica no fundo da floresta. É onde costumo ir quando chega o Outono. Humano nenhum esteve lá. Mas você poderá vê-la.   Logo, as árvores clareiam, e brilha a água, de tom preto-marrom, com verde-dourado ao redor.   — Segure-se firme – diz Skutt —, há perigos escondidos no fundo – cuide bem do seu coração!   — Sim, que água estranha – responde Tuvstarr, inclinando-se para ver. Mas, ai, no mesmo instante, a corrente com o coração desliza de seu pescoço e cai nas profundezas.   — Ó, meu coração, meu coração de ouro, que ganhei da minha mãe ao nascer. Ó, que vou fazer?   Ela fica inconsolável. Olha e olha para o fundo e quer procurar seu coração andando pelas traiçoeiras moitas ao redor.   — Venha – diz Skutt —, aqui é perigoso para você! Eu sei como termina; primeiro, perde-se a memória. Depois, a razão.   Porém, Tuvstarr quer ficar. Ela precisa encontrar seu coração.   — Vá você, querido amigo, e me deixe aqui sozinha. Eu vou encontrar o coração.   E ela abre os braços em gratidão, abraça a cabeça do alce, beija-o amistosamente, e o acaricia devagar. Depois, pequena, delgada e nua, ela senta sobre uma moita.   Por muito tempo, o alce fica parado, olhando, somente observando-a com ar indagador; mas, quando ela não mais parece notar sua presença, ele se vira e desaparece devagar, com passos arrastados pela floresta.   Muitos anos se passaram desde então. Tuvstarr ainda permanece sentada na moita, olhando para as águas, à procura de seu coração. A princesa sumiu, e agora há somente uma flor com o nome de Tuvstarr; uma florzinha branca, na beira da lagoa.   De quando em quando, o alce retorna, para e observa a pequena. Ele é o único que sabe quem ela é. Tuvstarr, a princesa. Então ela talvez acene e sorri – afinal, ele é um velho amigo, mas segui-lo de volta, isso ela não quer mais; isso ela não consegue mais, pelo tanto que o encanto durar. O encanto jaz lá embaixo. Lá embaixo, no fundo das águas, dorme um coração perdido.

Escrito por Helge Kjellin


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