A Dama da Fonte
No centro de um grande salão no castelo de Caerleon-upon-Usk,
o Rei Arthur estava em um assento de junco verde, sobre o qual
havia uma manta de seda rubra e também uma almofada de
cetim vermelho embaixo de seu cotovelo. Ao lado dele, estavam
seus cavaleiros Owain, Kynon e Kai e, no lado oposto, próximas
da janela, estavam a rainha Guenevere e suas aias, bordando
tecidos brancos com estranhas peças de ouro.
— Estou cansado — disse Arthur —, e até minha refeição
ser servida, pretendo dormir. Podem contar histórias uns para os
outros, e Kai trará, da cozinha, um garrafão de vinho e um pouco
de carne para que comam.
Depois de comerem e beberem, Kynon, o mais velho entre
eles, começou sua história.
— Eu era filho único e meus pais me tratavam muito bem,
mas eu não estava contente por ficar com eles em casa, pois
acreditava que não havia nenhum feito no mundo que fosse o
suficiente para mim. Nenhum deles conseguiu me deter, e depois
de viver muitas aventuras em minha terra, dei adeus a meus pais
e parti para ver o mundo. Subi montanhas, cruzei desertos,
atravessei rios, até chegar a um lindo vale cheio de árvores, com
um caminho contornando um riacho. Percorri aquele caminho o
dia todo e, à noite, cheguei a um castelo na frente do qual havia
dois jovens vestidos de amarelo, ambos segurando arcos de
marfim, com flechas feitas com ossos de baleia, decoradas com
penas de pavão. Eles levavam adagas douradas com cabos de
ossos de baleia, penduradas na cintura.
“Perto daqueles jovens, havia um homem muito bem-vestido,
que se virou e seguiu comigo em direção ao castelo, onde todos
os habitantes estavam reunidos no salão. Em uma janela, vi duas
dúzias de donzelas, e a menos bela delas era mais bela do que
Guenevere no ápice de sua beleza. Algumas pegaram meu
cavalo, outras pegaram minha armadura e a limparam,
juntamente com minha espada e lança, até tudo ficar brilhando
feito prata. Então, eu me lavei, vesti um colete e um gibão que
elas me deram, e eu e o homem que entrou comigo nos
sentamos a uma mesa de pratarias, sobre a qual havia o
banquete mais impressionante que já vi.
“Durante todo esse tempo, o homem e as donzelas não
disseram nem uma palavra, mas, quando nosso jantar estava
quase terminando e minha fome tinha sido aplacada, o homem
começou a perguntar quem eu era. Quando eu disse meu nome,
o nome de meu pai e por que estava ali, pois de fato tinha me
cansado de vencer todos os homens onde eu vivia e procurava
alguém que, por acaso, pudesse me desafiar, o homem sorriu e
respondeu:
“‘Se eu não receasse perturbar-te muito, mostraria a ti o que
procuras.’ As palavras dele me encheram de pesar e de medo de
mim mesmo, o que o homem notou, e ele acrescentou: ‘Se tu de
fato procuras o que afirmas procurar, e se realmente desejas
mostrar teu valor, sem te gabares dizendo que ninguém pode ser
melhor, tenho algo a mostrar. Mas dorme no castelo hoje e, pela
manhã, procura acordar cedo e seguir estrada acima pelo vale,
até que encontres uma mata. Na mata, há um caminho aberto à
direita; percorre esse caminho até chegar a um espaço de grama
com um monte no meio. No topo do monte há um homem
negro, maior do que dois brancos; ele tem um olho no meio da
testa e só um pé. Leva consigo uma barra de ferro, que dois
homens brancos não conseguiriam erguer. Ao redor dele, mil
animais pastam, todos diferentes uns dos outros, pois ele é o
guardião daquela mata, e é ele quem dirá a ti por qual caminho
seguir para que encontres a aventura que procuras.’
“Assim disse o homem, e aquela noite me pareceu longa e,
antes do amanhecer, eu me levantei e vesti minha armadura,
montei no cavalo e cavalguei até chegar ao local sobre o qual ele
tinha me falado. Havia um homem negro sobre o monte, como
ele dissera, e, na verdade, ele era mais poderoso do que eu
imaginava, de todas as formas possíveis. Quanto à barra de
ferro, Kai, teria sido difícil para quatro de nossos guerreiros
erguerem-na. Ele esperou que eu falasse, e perguntei que poder
ele tinha sobre as feras que vagavam tão perto dele.
“‘Mostrarei a ti, homenzinho’, disse ele, e, com a barra,
acertou um veado na cabeça até este zurrar. E, quando zurrou,
os animais chegaram correndo, numerosos como as estrelas no
céu, e mal consegui me manter entre eles. Havia serpentes ali
também, além de dragões, e feras de formas estranhas, com
chifres em lugares onde nunca tinha visto chifres antes. E o
homem negro apenas olhou para eles e fez um gesto para que
fossem se alimentar. E todos se curvaram diante dele, como
vassalos diante de seu senhor.
“‘Agora, homenzinho, eu respondi à tua pergunta e mostrei
meu poder a ti’, disse ele. ‘Gostaria de saber mais alguma
coisa?’. Então, perguntei a ele qual seria o caminho, mas ele
ficou irado e, pensei, poderia ter me atacado; no entanto, por fim,
quando disse a ele quem eu era, sua raiva desapareceu.
“‘Segue por aquele caminho’, disse ele, ‘que leva ao início de
uma senda gramada e, subindo mata adentro, chegarás ao topo.
Lá, encontrarás um espaço aberto, e, no meio dele, uma árvore
alta. Embaixo da árvore, há uma fonte, e, perto da fonte, uma laje
de mármore; na laje, uma bacia de prata com uma corrente de
prata. Enfia a bacia na fonte, joga água na laje e tu ouvirás um
ronco forte de trovão, até o céu e a terra parecerem estar
tremendo com o barulho. Após o trovão, virá o granizo, tão forte,
que tu mal conseguirás sobreviver a ele, pois as pedras são
grandes e pesadas. E então o sol aparecerá de novo, mas todas
as folhas da árvore estarão caídas no chão. Em seguida, virá um
bando de pássaros que pousarão na árvore, e nunca ouvirás um
canto tão doce quanto o deles. E assim que ouvires o canto
deles, no ponto mais doce, ouvirás um murmúrio e reclamações
em sua direção pelo vale, e verás um cavaleiro com roupas de
veludo preto montado em um cavalo preto, segurando uma lança
com um galhardete, e ele baterá com as esporas nas ancas do
cavalo para lutar contra ti. Se te virares para fugir, ele te
impedirá. E se ficares onde estiveres, ele te derrubará do cavalo.
E, se não tiveres problema nessa aventura, não terás durante o
resto de tua vida.’
“Eu me despedi do homem negro e tomei o rumo em direção
ao topo da mata, e ali encontrei tudo como ele tinha dito. Fui até
a árvore embaixo da qual ficava a fonte e, enchendo a bacia de
prata com água, eu a virei sobre a laje de mármore. Naquele
momento, veio o trovão, mais alto do que eu esperava ouvir, e,
depois do trovão, veio a chuva, mas mais pesada, bem mais
pesada do que eu esperava, pois posso jurar, Kai, aquele granizo
era capaz de atravessar pele e carne até chegar ao osso. Virei a
anca do meu cavalo em direção à chuva e, agarrado a seu
pescoço, segurei meu escudo de modo a poder cobrir a cabeça
dele e a minha. Quando o granizo terminou, olhei para a árvore e
não vi nenhuma folha ainda presa, e o céu estava azul, com o sol
brilhando, enquanto, nos galhos, havia aves de todos os tipos,
cantando da forma mais doce, como eu nunca tinha ouvido, de
uma forma que não ouvi desde então.
“Então, Kai, fiquei ouvindo os pássaros, quando uma voz aos
murmúrios se aproximou de mim, dizendo:
“‘Ó, cavaleiro, o que te trouxe aqui? Que mal fiz a ti, o que te
levaste a fazer tanto comigo, pois, em todas as minhas terras,
nem homem, nem fera atingidos por essa tempestade conseguiu
escapar vivo.’ Então, do vale, apareceu o cavaleiro em cima do
cavalo negro, segurando a lança com o galhardete preto. Nós
partimos para o ataque, e apesar de eu lutar da melhor maneira,
ele logo me superou, e fui jogado ao chão, enquanto o cavaleiro
agarrou as rédeas de meu cavalo e partiu com ele, me deixando
onde eu estava, sem sequer tirar minha armadura.
“Infelizmente, eu desci o monte de novo, e, quando cheguei
à senda onde o homem negro estava, juro, Kai, foi surpreendente
o fato de eu não ter derretido ali, tamanha foi minha vergonha.
Naquela noite, dormi no castelo onde já tinha estado e tomei
banho, ganhei um banquete, e ninguém me perguntou como eu
tinha passado. Na manhã seguinte, quando acordei, encontrei
um cavalo selado para mim e, usando a armadura, voltei para
minha corte. O cavalo ainda está no estábulo, e eu não abriria
mão dele por nenhum na Inglaterra.
“Mas, sinceramente, Kai, nenhum homem já confessou uma
aventura que tenha sido fracassada, e, de fato, é estranho que
eu não conheça nenhum outro homem que saiba do homem
negro, do cavaleiro e da tempestade.”
— Não seria bom — disse Owain — partir para descobrir o
local?
— Posso garantir — respondeu Kai —, muitas vezes
pronuncias com a tua língua aquilo que não farias de fato.
— Na verdade — disse a rainha Guenevere, que havia
ouvido a história —, seria melhor que tu fosses enforcado, Kai, a
usar tal discurso com um homem como Owain.
— Eu não quis dizer nada, senhora — respondeu Kai. —
Teus elogios a Owain não são maiores do que os meus. — E
enquanto ele falava, Arthur despertou e perguntou se não tinha
dormido um pouco.
— Sim, senhor — respondeu Owain —, tu dormiste.
— Está na hora de irmos comer?
— Está, senhor — respondeu Owain.
Então, tocou o sino para que eles se lavassem, e, depois
disso, o rei e seu grupo se sentaram para comer. Quando
terminaram, Owain os deixou e aprontou seu cavalo e suas
armas.
Com os primeiros raios de sol, ele partiu e atravessou
desertos e montanhas, além de rios, e aconteceu com ele tudo o
que tinha acontecido com Kynon, até ele parar sob a árvore sem
folhas ouvindo o canto dos pássaros. Então, ele ouviu a voz e, ao
se virar, viu o cavaleiro galopando para encontrá-lo. Eles lutaram
intensamente até suas lanças se quebrarem, e então
empunharam as espadas, e um golpe de Owain atravessou o
capacete do cavaleiro, atingindo seu crânio.
Sentindo-se ferido de morte, o cavaleiro fugiu, e Owain o
perseguiu até eles chegarem a um castelo esplêndido. Ali, o
cavaleiro atravessou a ponte que passava por cima do fosso e
adentrou o portão, mas, uma vez do lado de dentro, a ponte
levadiça foi erguida e atingiu o cavalo de Owain no meio, de
modo que metade dele ficou para dentro e a outra metade, para
fora, e Owain não conseguia apear e não soube o que fazer.
Enquanto ele estava naquela situação difícil, uma portinhola
no portão do castelo se abriu, e ele conseguiu ver um caminho à
sua frente, com casas altas. Uma donzela com cabelos loiros
espiou pela portinhola e gesticulou para que Owain abrisse o
portão.
— Céus! — exclamou Owain. — Não consigo abri-lo daqui,
assim como não consegues me libertar.
— Bem — disse ela —, farei o melhor que puder para
libertar-te, se fizeres o que mando. Pega este anel e coloca-o
com a pedra dentro da tua mão, fechando teus dedos com força,
pelo tempo que for possível escondê-lo, pois será o tempo que
ele te esconderá. Quando os homens de dentro se reunirem,
virão procurar-te para acabar com a tua vida, e ficarão muito
decepcionados por não te encontrarem. Ficarei no bloco de
montar no cavalo mais à frente, e tu poderás me ver apesar de
eu não conseguir ver-te. Por isso, aproxima-te e apoia tua mão
no meu ombro e me segue aonde quer que eu vá.
Com isso, ela se afastou de Owain, e quando os homens
saíram do castelo para procurá-lo e não o encontraram, ficaram
muito incomodados e voltaram para o castelo.
Owain foi até a donzela e pousou a mão em seu ombro, e
ela o levou a uma sala ampla, pintada com cores fortes e
decorada com imagens douradas. Ali, deu comida e bebida para
ele, além de água para se lavar e roupas para vestir, e ele se
deitou em uma cama macia, com cobertores para cobri-lo, e
dormiu satisfeito.
No meio da noite, acordou ouvindo um grito, saltou da cama,
vestiu-se e foi ao corredor, onde a donzela estava parada.
— O que houve? — perguntou ele, e ela respondeu que o
cavaleiro dono do castelo estava morto e que estavam levando o
corpo dele para a igreja. Owain nunca tinha visto multidões tão
vastas, e, acompanhando a locomoção do cavaleiro morto,
estava a moça mais linda do mundo, cujo choro era mais alto do
que o grito dos homens ou o toque da trombeta. E Owain olhou
para ela e se apaixonou.
— Quem é ela? — perguntou ele à donzela.
— Ela é a minha senhora, a condessa da fonte, esposa
daquele que tu mataste ontem.
— De fato — disse Owain —, ela é a mulher que amo.
— Ela não vai te amar nem um pouco — disse a senhora.
Ela deixou Owain e, depois de um tempo, entrou nos
aposentos de sua senhora e falou com ela, mas a condessa não
respondeu nada.
— O que ocorre, senhora? — perguntou ela.
— Por que ficaste longe de mim em meu pesar, Luned? —
perguntou a condessa, e, por sua vez, a donzela perguntou:
— É bom para ti sofrer tanto pelos mortos, ou por algo que
se foi?
— Não existe homem no mundo como ele — respondeu a
condessa, com o rosto cada vez mais vermelho de raiva. — Eu
poderia banir-te por tuas palavras.
— Não te enfureças, senhora — disse Luned —, mas aqui
está meu conselho. Tu sabes bem que, sozinha, não conseguirás
manter tuas terras. Por isso, busca alguém para ajudar-te.
— E como posso fazer isso? — perguntou a condessa.
— Eu te direi — respondeu Luned. — A menos que consigas
defender a fonte, tudo será perdido, e não há ninguém além de
um cavaleiro da corte de Arthur capaz de fazer isso. Partirei para
procurá-lo, e ai de mim se eu voltar sem um guerreiro que possa
guardar a fonte tão bem quanto aquele que a guardava antes.
— Vá, então — disse a condessa —, transforma o que
prometes em realidade.
Assim, Luned partiu, montada em um palafrém branco,
fingindo que seguia para a corte do Rei Arthur, mas, em vez de
fazer isso, escondeu-se pelo número de dias que demoraria para
ir e voltar, para depois sair de seu esconderijo e ir até a
condessa.
— Quais notícias trazes da corte? — perguntou sua senhora
ao cumprimentar Luned de modo caloroso.
— As melhores possíveis — respondeu a criada —, pois
alcancei o objetivo de minha missão. Quando queres que eu
apresente o cavaleiro que trouxe comigo?
— Amanhã ao meio-dia — disse a condessa —, e reunirei
todas as pessoas do reino.
Assim, no dia seguinte, ao meio-dia, Owain vestiu a cota de
malha e, por cima dela, um belo manto, e, nos pés, calçou
sapatos de couro com fivelas de ouro. E acompanhou Luned até
a sala de sua senhora.
A condessa ficou feliz ao vê-los, mas olhou com atenção
para Owain e disse:
— Luned, esse cavaleiro não aparenta ser um viajante.
— Qual é o problema nisso, senhora? — respondeu Luned.
— Estou convencida — disse a condessa — de que esse
homem e nenhum outro arrancou a alma do corpo do meu
senhor.
— Se não tivesse sido mais forte do que o teu senhor —
respondeu a donzela —, ele não teria conseguido tirar a vida
dele, e para isso e para tudo o que se passou, não existe
solução.
— Deixem-me sozinha — disse a condessa —, preciso de
aconselhamento.
E eles saíram.
Na manhã seguinte, a condessa reuniu seus súditos no pátio
do castelo e disse a eles que agora que seu marido havia
morrido, não havia ninguém para defender suas terras.
— Então, escolham como deve ser — disse ela. — Ou um
de vocês me aceita como esposa ou me dão seu consentimento
para que eu escolha um novo senhor, para que minhas terras
não fiquem desprotegidas.
Quando ela disse isso, os principais homens da região se
reuniram para deliberar e, depois de algum tempo, o líder se
dirigiu a ela dizendo que eles haviam decidido que seria melhor,
pela paz e segurança de todos, que ela escolhesse um marido
para si. Então, Owain foi chamado e aceitou com alegria a mão
que ela oferecia, e eles se casaram, e os homens do condado se
submeteram a ele.
A partir daquele dia, Owain defendeu a fonte como o conde
anterior havia feito, e todos os cavaleiros que apareceram foram
derrotados por ele, e seus pertences eram divididos entre seus
homens. Dessa maneira, três anos se passaram, e não havia
homem no mundo mais amado do que Owain.
Ao final dos três anos, Gwalchmai, o cavaleiro, esteve com
Arthur e notou que o rei estava muito triste.
— Meu senhor, aconteceu alguma coisa? — perguntou ele.
— Ah, Gwalchmai, me entristece a questão com Owain, a
quem perdi nesses três anos, e se passar um quarto ano sem
ele, não conseguirei mais viver. E estou certo de que a história
contada por Kynon, filho de Clydno, fez com que eu o perdesse.
Partirei com os homens de minha região para vingá-lo se ele
estiver morto, para libertá-lo se ele estiver preso, para trazê-lo de
volta se ele estiver vivo.
Então, Arthur e seus três mil homens partiram em busca de
Owain, levando Kynon como guia. Quando Arthur chegou ao
castelo, os jovens estavam atirando no mesmo local, e o mesmo
homem de amarelo estava ali perto, e assim que viu Arthur, ele o
cumprimentou e o convidou a entrar, e, juntos, foram para dentro.
O castelo era tão amplo que a presença dos três mil homens era
como se eles fossem apenas vinte.
Quando o dia nasceu, Arthur partiu com Kynon como guia e
chegou ao homem negro primeiro e, depois, ao topo do monte,
com a fonte, a bacia e a árvore.
— Meu senhor — disse Kai —, deixa-me despejar a água na
laje e receber a primeira aventura que pode vir.
— Podes fazer isso — respondeu Arthur, e Kai despejou a
água.
Imediatamente, tudo aconteceu como antes; o trovão e a
chuva de granizo que mataram muitos dos homens de Arthur; o
canto dos pássaros e o surgimento do cavaleiro negro. E Kai o
encontrou e lutou com ele, sendo derrotado. O cavaleiro partiu, e
Arthur e seus homens montaram acampamento ali.
Pela manhã, Kai mais uma vez pediu para encontrar o
cavaleiro e tentar vencê-lo, o que Arthur permitiu. Mas,
novamente, ele ficou sem cavalo, e a lança do cavaleiro negro
atravessou seu capacete e rasgou a pele, chegando ao osso, e,
humilhado, ele voltou ao acampamento.
Depois disso, cada um dos cavaleiros lutou, mas nenhum se
sagrou vitorioso, e, por fim, restaram apenas Arthur e Gwalchmai.
— Ah, permite-me lutar com ele, meu senhor — pediu
Gwalchmai, ao ver Arthur pegar suas armas.
— Bem, luta, então — respondeu Arthur, e Gwalchmai jogou
uma capa sobre si e seu cavalo, de modo que ninguém o
reconhecesse. Durante todo aquele dia, eles lutaram, e nenhum
deles conseguiu sair vencedor, por isso continuaram no dia
seguinte. No terceiro dia, o combate foi tão intenso que os dois
caíram ao mesmo tempo ao chão, e continuaram lutando de pé,
e, por fim, o cavaleiro negro golpeou o inimigo na cabeça com
tanta força que fez seu capacete cair.
— Não sabia que eras tu, Gwalchmai — disse o cavaleiro
negro. — Pega minha espada e minhas armas.
— Não — respondeu Gwalchmai. — Owain, tu és o
vencedor, pega minha espada. — Mas Owain não aceitou.
— Deem-me suas espadas — disse Arthur atrás deles —,
pois nenhum de vocês venceu o outro. — E Owain se virou e
abraçou Arthur.
No dia seguinte, Arthur teria dado ordens para que seus
homens se aprontassem para voltar de onde tinham saído, mas
Owain o impediu.
— Meu senhor — disse ele —, durante os três anos que
fiquei longe de ti, preparei um banquete para ti, sabendo bem
que tu virias me procurar. Por isso, peço que permaneçam um
tempo comigo, tu e teus homens.
Eles cavalgaram até o castelo da condessa da fonte e
passaram três meses descansando e comendo. E quando
chegou o momento de partirem, Arthur rogou à condessa que
permitisse que Owain fosse com ele para a Inglaterra pelo
período de três meses. Com o coração apertado, ela deu
permissão, e Owain ficou tão feliz por estar de novo com seus
velhos companheiros que três anos, e não três meses, se
passaram como um sonho.
Um dia, Owain se sentou para comer no castelo de
Caerleon--upon-Usk, quando uma donzela montada em um
cavalo castanho entrou no salão e, indo diretamente ao local
onde Owain estava, se inclinou e tirou o anel da mão dele.
— Assim devem ser tratados traidores e homens sem fé —
disse ela e, virando o cavalo, saiu do salão.
Com aquelas palavras, Owain se lembrou de tudo o que
tinha esquecido e foi, pesaroso e envergonhado, para seus
aposentos, preparando-se para partir. Ao amanhecer, ele partiu,
mas não voltou ao castelo, pois seu coração estava pesado; só
vagou pela floresta até seu corpo ficar fraco e magro e os
cabelos, compridos. As feras selvagens eram suas amigas, e ele
dormia ao lado delas, mas, ao final, desejava ver o rosto de um
homem de novo, e desceu por um vale, adormecendo perto de
um lago na terra da condessa viúva.
No momento em que a condessa dava um passeio,
acompanhada por suas aias, elas viram um homem deitado perto
do lago e ficaram horrorizadas, pois ele estava tão imóvel que
parecia estar morto. Mas, quando elas superaram o medo,
aproximaram-se dele, o tocaram e viram que ele estava vivo. A
condessa foi depressa para o castelo, trouxe de lá uma garrafa
cheia de unguento precioso e a entregou a uma de suas aias.
— Pega aquele cavalo que está pastando — disse ela — e
uma muda de roupas masculinas, coloca-os perto do homem e
despeja um pouco desse unguento perto do coração dele. Se
houver vida dentro dele, ele será trazido de volta. Mas, se ele se
mexer, esconde-te nos arbustos próximos, e vê o que ele faz.
A donzela pegou a garrafa e fez o que sua senhora mandou.
Em pouco tempo, o homem começou a mexer os braços e,
lentamente, ficou de pé. Passo a passo, ele pegou as roupas de
cima do cavalo, as vestiu e montou no animal com dificuldade.
Quando estava acomodado, a donzela apareceu e o
cumprimentou, e ele ficou feliz quando a viu e perguntou qual era
aquele castelo à sua frente.
— Pertence a uma condessa viúva — respondeu a donzela.
— O marido deixou dois condados para ela, mas é tudo o que
resta de suas amplas propriedades, pois foram tirados de seu
poder por um jovem conde, porque ela não aceitou se casar com
ele.
— Que pena — respondeu Owain, mas não disse mais
nada, pois estava fraco demais para falar. A donzela o levou até
o castelo, acendeu a lareira e levou comida para ele. E ali ele
permaneceu e recebeu cuidados por três meses, até se tornar
mais belo do que nunca.
Ao meio-dia, certo dia, Owain ouviu o som de armas do lado
de fora do castelo e perguntou à mulher do que se tratava.
— É o conde sobre o qual falei — respondeu ela —, que
chegou com um grupo grande para levar minha senhora.
— Pede a ela que me empreste um cavalo e uma armadura
— disse Owain, e a donzela obedeceu, mas a condessa riu de
modo amargurado e disse:
— Não emprestarei, mas darei a ele, e serão um cavalo,
uma armadura e armas como ele nunca viu, apesar de eu não
saber se serão úteis. Mas talvez impeça que caiam nas mãos de
meus inimigos.
O cavalo foi levado e Owain seguiu com dois escudeiros
atrás, e eles viram o grande acampamento mais à frente.
— Onde está o conde? — perguntou ele, e os escudeiros
responderam:
— No grupo onde há quatro estandartes amarelos.
— Esperem por mim na entrada do castelo — disse Owain,
gritando um desafio ao conde, que foi até ele. A luta foi intensa,
mas Owain derrubou o inimigo e o levou à frente do castelo e ao
salão.
— Eis a recompensa de teu abençoado bálsamo — disse ele
ao colocar o conde ajoelhado à frente dela, fazendo-o jurar que
restauraria tudo o que tinha tomado dela.
Depois disso, ele partiu e foi para os desertos e, enquanto
passava pela mata, ouviu um grito alto. Afastando os arbustos,
ele viu um leão de pé em um grande monte, e, ao lado dele, uma
rocha. Perto da rocha havia um leão tentando alcançar o monte,
e sempre que ele se mexia, uma serpente aparecia na rocha
para impedi-lo. Owain desembainhou a espada, cortou a cabeça
da serpente e seguiu seu caminho, e o leão o acompanhou,
andando perto dele, como se fosse um cão de guarda. E ele era
muito mais útil do que um cão de guarda, pois, à noite, levou
lenha na boca para acender uma fogueira e matou um cervo
grande para o jantar.
Owain acendeu o fogo, arrancou o couro do cervo e deu o
restante para o leão jantar. Enquanto esperava a carne assar,
ouviu um suspiro profundo ali perto e perguntou:
— Quem é?
— Sou Luned — respondeu uma voz vinda de uma caverna
tão escondida pelos arbustos e pelas plantas penduradas que
Owain não a tinha visto.
— E o que fazes aqui? — gritou ele.
— Estou presa nesta caverna pelo cavaleiro que se casou
com a condessa e a deixou, pois os escudeiros falaram mal dele,
e porque eu disse a eles que nenhum homem se equiparava a
ele, eles me arrastaram para cá e disseram que eu morreria a
menos que ele viesse me libertar até determinado dia, e o prazo
é até depois de amanhã. O nome dele é Owain, filho de Urien,
mas não tenho ninguém que possa enviar para informar a ele
sobre o perigo que corro, tampouco tenho certeza de que ele me
libertaria.
Owain manteve-se calado, mas deu à mulher um pouco de
sua carne e pediu que ela se animasse. Então, acompanhado
pelo leão, ele partiu em direção a um grande castelo do outro
lado da planície, e os homens se aproximaram, pegaram seu
cavalo e levaram até uma manjedoura, e o leão foi atrás e se
deitou na palha. Todos dentro do castelo foram hospitaleiros e
gentis, mas tão pesarosos que era de se pensar que a morte os
espreitava. Por fim, depois de comerem e beberem, Owain pediu
ao conde que contasse o motivo da tristeza.
— Ontem — respondeu o conde —, meus dois filhos foram
capturados, enquanto estavam caçando, por um monstro que
habita essas montanhas, que afirma que não os soltará a menos
que eu entregue minha filha para que seja sua esposa.
— Isso nunca acontecerá — disse Owain —, mas como é
esse monstro?
— Na forma, ele é um homem, mas, na estatura, é um
gigante — respondeu o conde —, e prefiro que ele mate meus
filhos a ter que entregar minha filha.
Logo cedo, na manhã seguinte, os moradores do castelo
foram despertados por um grito alto, e descobriram que o gigante
tinha chegado com os dois jovens. Rapidamente, Owain vestiu a
armadura e foi encontrar o gigante, acompanhado pelo leão. E
quando a fera viu os golpes que o gigante dava em seu senhor,
voou no pescoço dele, e o monstro teve grande dificuldade para
arrancá-lo dali.
— Realmente — disse o gigante —, eu não teria dificuldade
em lutar contigo, não fosse esse leão.
Quando ouviu isso, Owain se envergonhou por não
conseguir derrotar o gigante com sua própria espada e pegou o
leão, o trancou em uma das torres do castelo e voltou para a luta.
Mas, pelo som dos golpes, o leão soube que o combate estava
indo mal para Owain, por isso subiu até chegar ao topo da torre,
onde havia uma porta para o telhado, e, da torre, ele pulou nas
paredes, e, das paredes, para o chão. Então, rugindo alto, ele
saltou no gigante, que caiu morto devido ao golpe de sua pata.
Naquele momento, a escuridão do castelo se transformou
em júbilo, e o conde implorou que Owain ficasse com ele até
conseguir fazer um banquete, mas o cavaleiro disse que tinha
outro trabalho a fazer, e voltou ao local onde havia deixado
Luned, seguido pelo leão. Ao chegar, ele viu uma grande fogueira
acesa e dois jovens levando a mulher para jogá-la no fogo.
— Parem! — gritou ele, partindo para cima deles. — Do que
a acusam?
— Ela disse que nenhuma homem no mundo se equipara a
Owain — disseram eles —, e nós a colocamos em uma caverna,
concordando que ninguém poderia salvá-la, exceto o próprio
Owain, e que, se ele não viesse até uma certa data, ela morreria.
E agora o tempo já passou, e não houve sinal dele.
— Na verdade, ele é um bom cavaleiro e, se tivesse tomado
conhecimento de que a mulher estava em perigo, teria vindo
salvá-la — disse Owain —, mas aceitem-me no lugar dele, eu
peço.
— Aceitaremos — responderam eles, e a luta começou.
Os jovens lutaram bem e pressionaram Owain, e quando o
leão viu aquilo, foi ajudar seu senhor. Mas os jovens fizeram um
sinal para que a luta parasse e disseram:
— Chefe, combinamos que lutaríamos apenas entre nós, e é
mais difícil lutar com tua fera do que contigo.
Então, Owain fechou o leão na caverna onde a mulher
estava presa e bloqueou a saída com pedras. Mas a luta com o
gigante o havia desgastado, e os jovens lutaram bem, e o
pressionaram ainda mais do que antes. E quando o leão viu
aquilo, deu um rugido alto, derrubou as pedras e partiu para cima
dos jovens para estraçalhá-los. E assim, Luned foi libertada,
enfim.
A donzela voltou com Owain para as terras da dama da
fonte. E ele levou a dama consigo para a corte de Arthur, onde
eles viveram felizes até morrerem.
Escrito por Galha Sodrielmí
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