A caverna encantada
Há muito, muito tempo, o Príncipe Cuglas, líder guerreiro do
supremo rei de Erin, partiu de Tara para caçar. Enquanto ele saía
do palácio, a leve névoa estava se dissipando do cume dos
montes, e os raios de sol da manhã caíam diagonalmente no
sorriso luminoso da Princesa Ailinn. Olhando na direção dela, o
príncipe tirou seu chapéu de caça ornamentado e com plumas, e
a princesa respondeu ao seu cumprimento acenando com sua
mão delicada, que era alva como uma rosa selvagem na mata no
mês de junho, e apoiando-se na janela do quarto, ela observou o
caçador até ele ser encoberto pelos galhos verdes em
movimento da mata.
A Princesa Ailinn estava caída de amores por Cuglas, e
Cuglas estava caído de amor pela Princesa Ailinn, e ele
acreditava que não havia manhã de verão tão clara nem tão doce
nem tão linda quanto ela. A imagem relanceada que ele acabara
de capturar dela encheu seu coração de alegria, e quase o fez se
esquecer totalmente da caçada, mas, de repente, os uivos altos
de cães, respondidos por centenas de ecos das cavernas,
chegaram a seus ouvidos.
Os cães tinham assustado um cervo rajado que saiu
correndo pela floresta. O príncipe, esporando seu corcel valente,
seguiu atrás, em disparada. Pela floresta, o cervo correu, por
caminhos secretos e verdejantes, e por vales floridos, e então
para fora da floresta, subindo os montes e longas extensões de
charneca, e cruzando riachos caudalosos, às vezes à vista dos
cães, às vezes fora da vista, mas sempre à frente deles.
A perseguição continuou durante todo o dia, e, por fim,
quando o sol já se punha, os cães estavam perto do cervo
ofegante, e o príncipe acreditou estar perto de pegar sua presa,
mas o cervo de repente desapareceu, entrando em uma caverna.
Os cães iam logo atrás dele, e o príncipe se esforçou para tomar
as rédeas de seu cavalo, mas o animal impetuoso o
desobedeceu, e logo estava galopando pelo chão da caverna na
escuridão total. Cuglas conseguia ouvir, à sua frente, os uivos
dos cães cada vez mais fracos, conforme a distância entre eles
aumentava. De repente, os uivos cessaram de vez, e o único
som que o príncipe escutou foi o barulho dos cascos do cavalo
na caverna. Mais uma vez, ele tentou retomar as rédeas, mas
elas se quebraram em suas mãos, e naquele instante o príncipe
sentiu que o cavalo tinha mergulhado em um golfo, e estava
afundando cada vez mais, como uma pedra lançada do topo de
um penhasco para dentro do mar. Por fim, o cavalo tocou
novamente o solo, e o príncipe estava quase fora de sua sela,
mas conseguiu recuperar seu assento. E assim, escuridão
adentro, o cavalo galopou, e quando alcançou a luz, os olhos do
príncipe ficaram, por algum tempo, incapazes de vê-lo. Mas
quando se habituou à claridade, viu que ele galopava por uma
planície verdejante, e à distância, notou os cães correndo em
direção a uma mata pouco visível no calor. O príncipe seguiu
galopando e, quando se aproximou da mata, viu, seguindo em
sua direção, uma enorme figura usando uma capa marrom
brilhante presa com um broche brilhante de bronze parecido com
uma lança, segurando uma varinha branca em uma das mãos, e
uma espada de uma só lâmina, com um cabo feito de dentes de
cavalo marinho na outra, e o príncipe soube, pela vestimenta
dele, pela varinha e pela espada, que era um mensageiro real.
Quando o mensageiro se aproximou dele, o cavalo do príncipe
parou sozinho.
— Bem-vindo, Cuglas — disse o mensageiro —, fui enviado
pela Princesa Crede para recebê-lo e levá-lo até ela, onde há
muito o senhor é esperado.
— Não sei como isso pode ser verdade — disse Cuglas.
— Como isso aconteceu, eu explicarei conforme
avançarmos — disse o mensageiro. — A Princesa Crede é a
Rainha da Ilha Flutuante. Um dia, quando ela estava visitando
seus parentes, que moram em um dos agradáveis montes perto
de Tara, ela viu o senhor com o rei, os príncipes e os nobres de
Erin caçando. E ao vê-lo, ela sentiu muito carinho, e por desejar
levá-lo à sua corte, ela enviou uma de suas ninfas, na forma de
um cervo, para atraí-lo para a caverna, que é a entrada para esta
terra.
— Eu me sinto profundamente honrado pela preferência
demonstrada a mim pela princesa — disse Cuglas —, mas não
vou me demorar em sua corte; pois em Erin está Lady Ailinn, a
mais adorável de todas as moças que dão graça ao palácio real,
e diante da princesa e dos líderes de Erin, ela foi prometida como
minha noiva.
— Sobre isso, eu nada sei — disse o mensageiro —, mas
um cavalheiro real, como você, não pode, eu sei, se recusar a ir
comigo para a corte da Princesa Crede.
Quando o mensageiro disse isso, o príncipe e ele estavam à
beira da mata, e eles entraram em um caminho cheio de lodo que
se ampliava conforme avançavam até ficar tão amplo quanto
uma das grandes estradas de Erin. Antes que estivessem muito
longe, o príncipe escutou o bater dos sinos de prata à distância, e
quase no mesmo momento ele viu se aproximar uma tropa de
guerreiros com cavalos pretos como carvão. Todos os guerreiros
usavam capacetes prateados e brilhantes, e capas de seda azul.
E no peito dos cavalos havia semicírculos de prata, dos quais
pendiam sininhos de prata, tilintando música conforme os cavalos
se moviam. Quando o príncipe se aproximou dos cavaleiros,
todos abaixaram suas lanças e dividiram-se em duas fileiras, de
forma que o príncipe e o mensageiro passaram entre os dois
grupos, e os guerreiros, em formação de novo, seguiram logo
atrás do príncipe.
Por fim, eles passaram pela mata e se viram em uma
planície verde, tomada de flores, e não tinham ido muito longe
quando o príncipe viu, seguindo em sua direção, cem guerreiros
em cavalos brancos como a neve, e no peito dos cavalos havia
semicírculos dourados, dos quais pendiam pequenos sininhos
dourados. Os guerreiros usavam capacetes dourados, e o cabo
de suas lanças brilhantes era de ouro, e usavam sandálias
douradas, e mantos de seda amarela cobriam seus ombros. E
quando o príncipe se aproximou deles, eles abaixaram as lanças,
e então viraram a cabeça dos cavalos para o outro lado e
marcharam à frente dele. E não demorou muito para que, mais
alto do que o som agradável dos sinos, o príncipe ouvisse os
acordes ritmados da música, e viu seguir na direção dele uma
banda de harpistas vestidos com roupas verdes e douradas, e
quando os harpistas cumprimentaram o príncipe, marcharam na
frente da cavalgada, tocando o tempo todo, e não demorou muito
para que eles chegassem a um riacho que corria como um laço
azul ao redor da base de um monte verde, no topo do qual havia
um palácio reluzente; o riacho era atravessado por uma ponte
dourada, tão estreita que os cavaleiros tinham que passar de
dois em dois. O mensageiro pediu para o príncipe parar e permitir
que todos os guerreiros passassem antes dele; e a cavalgada
desceu o monte, com a luz do sol reluzindo no capacete e na
lança, e quando chegou ao palácio, os cavaleiros encheram o
lugar.
Quando, por fim, o príncipe e mensageiro atravessaram a
ponte e começaram a subir o monte, o príncipe pensou ter
sentido o chão se mover sob eles, e ao olhar para trás, não viu
sinal da ponte dourada, e o riacho azul já tinha se tornado tão
amplo quanto um rio, e se tornava mais amplo a cada segundo.
— Você está na Ilha Flutuante agora — disse o arauto —, e
à sua frente está o palácio da Princesa Crede.
Naquele momento, a rainha saiu pela porta do palácio, e o
príncipe ficou tão encantado com sua beleza que, não fosse a
pulseira dourada que ele usava no braço direito, sob a manga de
sua túnica de seda, poderia ter se esquecido da Princesa Ailinn.
Essa pulseira foi feita pelos duendes que moravam no coração
das Montanhas Escandinavas, e tinha sido enviada com outros
presentes caros pelo Rei da Escandinávia ao Rei de Erin, e ele a
deu de presente à princesa, e o poder da pulseira era que,
independentemente de quem a usasse, não poderia se esquecer
da pessoa que lhe dera, e nenhum feitiço seria capaz de tirá-la
do braço do presenteado; mas se quem a usasse, ainda que por
um momento, gostasse de alguém mais do que gostava da
pessoa que havia lhe dado a pulseira, naquele mesmo momento,
a pulseira cairia do braço e nunca mais poderia ser fechada. E
quando a princesa prometeu sua mão em casamento ao Príncipe
Cuglas, ela fechara a pulseira no braço dele.
A rainha não sabia sobre a pulseira, e esperava que antes
que o príncipe se demorasse na Ilha Flutuante, ele se
esquecesse totalmente da princesa.
— Bem-vindo, Cuglas — disse a rainha, enquanto estendia a
mão, e Cuglas, depois de agradecer pelas boas-vindas, entrou
com ela no palácio.
— Você deve estar cansado depois da longa viagem —
disse a rainha. — Minha criada o levará a seus aposentos, onde
um banho com as águas cristalinas do lago foi preparado, e
depois do banho, os criados o levarão ao salão de festa, onde o
banquete será servido.
No banquete, o príncipe estava sentado ao lado da rainha, e
ela conversou com ele a respeito de todos os prazeres que
esperavam por ele na terra mágica, onde dor, doença, pesar e
velhice são desconhecidos, e onde cada hora que passa é mais
leve do que a anterior. E quando o banquete terminou, a rainha
abriu o baile dançando com o príncipe, e só quando a lua estava
bem alta, acima da Ilha Flutuante, o príncipe se retirou para
descansar.
Ele estava tão cansado depois de sua viagem e das danças
que caiu em um sono profundo. Quando acordou na manhã
seguinte, o sol brilhava, e ele ouviu, fora do palácio, o bater de
sinos e os latidos dos cães, e seu coração foi tocado pelas
lembranças dos muitos dias agradáveis nos quais ele tinha
liderado as caçadas nas planícies e pela mata de Tara.
Ele olhou para fora pela janela, e viu todos os guerreiros
montados em seus cavalos e prontos para partir, e à frente
estava a rainha fada. Naquele momento, os criados se
aproximaram para dizer que a rainha gostaria de saber se ele se
juntaria a eles. O príncipe encontrou seu cavalo pronto, com sela
e rédeas, e eles passaram o dia caçando na floresta que se
estendia por milhas atrás do palácio, e a noite, em banquetes e
bailes.
Quando o príncipe acordou na manhã seguinte, foi levado à
presença da rainha pelos criados. O príncipe encontrou a rainha
no gramado do lado de fora do palácio cercada por sua corte.
— Vamos ao lago hoje, Cuglas — disse a rainha, e
segurando no braço dele, ela o levou pela beira da água, com
todos os súditos logo atrás.
Quando ela estava perto da água, balançou a mão, e em um
segundo, mil barcos, brilhando como vidro, se viraram no lago
em direção à margem. A rainha e Cuglas entraram em um deles
e, quando estavam acomodados, dois harpistas mágicos se
posicionaram na proa. Todos os outros barcos logo foram
tomados por fadas, e então a rainha balançou a mão de novo, e
um véu de seda roxa pairou acima do barco, com véus de seda
de diversas cores sobre os outros, e o barco real se afastou da
costa seguido por todos os outros, e em todos os barcos havia
um harpista com uma harpa dourada. Quando a rainha balançou
a varinha pela terceira vez, os harpistas tocaram os acordes
trêmulos, e ao som da deliciosa música os barcos navegaram
pelo lago banhado de sol. E assim seguiram até chegarem à
boca de um rio calmo descendo entre as margens tomadas de
árvores. Rio acima, perto da margem e sob as árvores frondosas,
eles navegaram, e quando chegaram a uma curva no rio, da qual
o lago não mais podia ser visto, eles atracaram, e a rainha e
Cuglas, e todo o grupo, saíram dos barcos e andaram por baixo
das árvores até chegarem a uma clareira musgosa.
Então, a rainha acenou com a varinha, e almofadas de seda
foram espalhadas sob as árvores, e ela e Cuglas se sentaram
longe dos outros, e cortesãos assumiram seus lugares na ordem
certa.
E a rainha movimentou a varinha de novo, e o vento
balançou as árvores acima deles, e a fruta mais deliciosa que já
existira caiu em suas mãos; e quando o banquete terminou, eles
dançaram nas clareiras ao som das harpas, e quando se
cansaram de dançar, foram para os barcos, e a lua se erguia
mais alta do que as árvores e eles partiram pelo lago, e não
demorou para que chegassem à margem próxima do palácio
mágico.
E então, entre as caçadas na floresta, o navegar no lago e
as danças nos gramados e no salão, os dias se passavam, mas
durante todo o tempo o príncipe pensava na Princesa Ailinn, e
numa noite de luar, quando ele estava deitado, mas desperto,
pensando nela, uma sombra repentinamente apareceu no chão.
O príncipe olhou na direção da janela, e viu nada menos do
que uma mulherzinha batendo no vidro com uma adaga dourada.
O príncipe se levantou de onde estava e abriu a janela, e a
mulherzinha flutuou na luz da lua para dentro do quarto e se
sentou no chão.
— Você está pensando na Princesa Ailinn — disse a
mulherzinha.
— Nunca penso em outra pessoa — disse o príncipe.
— Eu sei disso — disse a mulherzinha —, e é por causa do
amor que sentem um pelo outro, e porque a mãe dela foi minha
amiga no passado, que vim aqui tentar ajudá-los. Mas não temos
muito tempo para conversar, a noite corre. Na margem lá
embaixo, um barco espera por você. Entre e ele o levará para o
continente, e quando chegar lá, verá à sua frente um caminho
que o levará aos campos verdes de Erin e às planícies de Tara.
Sei que você terá que enfrentar perigos. Não sei que tipo de
perigos; mas, independentemente de qual seja, não puxe sua
espada antes de chegar ao continente, pois, se fizer isso, talvez
nunca chegue lá, e o barco voltará para a Ilha Flutuante. Agora,
vá e que a sorte o acompanhe. — Ao dizer isso, a mulherzinha
subiu nos raios de luar e desapareceu.
O príncipe saiu do palácio e desceu para o lago, e ali, à sua
frente, viu um barco reluzente; entrou nele, e o barco seguiu sob
a luz. Por fim, ele viu o continente, e pôde identificar um caminho
longo além da margem. A visão encheu seu coração de alegria,
mas, de repente, o luar branco como o leite desapareceu, e ao
olhar para o céu, ele viu a lua se tornar rubra, e as águas do
lago, que brilhavam prateadas um segundo antes, assumiram um
tom vermelho-sangue, e um vento surgiu revoltando as águas, e
ele foi jogado de um lado a outro dentro do barquinho. Enquanto
Cuglas ainda tentava entender a mudança, ouviu um barulho
estranho, anormal, à sua frente, e um monstro assustador,
erguendo as garras acima da água, um segundo depois, estava
ao lado do barco e segurou o braço esquerdo do príncipe,
rasgando a carne até o osso. Enlouquecido pela dor, o príncipe
empunhou a espada e cortou as garras do monstro, que
desapareceu dentro do lago e, com isso, a cor da água mudou, e
o luar prateado voltou a surgir no céu, mas o barco não mais
avançava para o continente, e sim voltava depressa em direção à
Ilha Flutuante, enquanto da ilha surgia uma frota de barcos
mágicos para encontrá-lo, liderada pela chalupa da rainha fada.
A rainha cumprimentou o príncipe como se não soubesse de sua
tentativa de fuga, e ao som das harpas, a frota retornou ao
palácio.
O dia seguinte passou e a noite veio. Mais uma vez, o
príncipe estava deitado, pensando na Princesa Ailinn, e de novo
viu a sombra no chão e escutou a batida na janela.
Quando ele abriu, a mulherzinha entrou.
— Você fracassou ontem à noite — disse ela —, mas vim te
dar outra chance. Amanhã, a rainha deve partir para visitar seus
parentes, que vivem em um monte verde perto da planície de
Tara; ela não pode levá-lo consigo, pois, se seus pés tocarem a
grama verde que cresce nos campos frutíferos de Erin, ela nunca
conseguiria levá-lo de volta. Assim, quando souber que ela saiu
do palácio, vá logo ao salão e olhe atrás do trono, e verá um
alçapão. Abra a tampa e desça os degraus que encontrar. Não
posso dizer para onde eles levam. Os perigos que podem estar à
sua frente, não sei; mas sei que, se você aceitar o que vier,
independentemente do que seja, de qualquer pessoa que
encontrar no caminho, pode não chegar à terra de Erin.
E depois de dizer isso, a mulherzinha, erguendo-se do chão,
flutuou janela afora.
O príncipe voltou para a cama, e na manhã seguinte, ao
saber que a rainha tinha deixado o palácio, correu para o salão.
Descobriu o alçapão e desceu os degraus, e se viu em um vale
escuro e ermo. Montanhas altas, escuras como a noite, se
estendiam dos dois lados, e rochas enormes pareciam prestes a
tombar nele a cada passo. Em meio a nuvens dispersas, uma lua
grande emitia uma luz clara e intermitente, que ia e vinha
conforme as nuvens, levadas por um vento uivante, sobrevoavam
o vale.
Cuglas, sem se deixar assustar, seguiu com coragem até as
nuvens cobrirem totalmente a lua que se esforçava para se
manter aparente, e ao tomar o vale, cobriu-o como uma tampa,
deixando Cuglas na escuridão completa. No mesmo momento, o
vento uivante passou, e todos os sons se foram junto. A
escuridão e o silêncio mortal causaram um arrepio no coração de
Cuglas. Ele manteve a mão perto dos olhos, mas nenhum som
chegou a ele, que reposicionou a espada dentro da bainha, mas
não ouviu resposta. Seu coração ficou cada vez mais frio,
quando, de repente, a nuvem logo acima dele se espalhou por
diversos lugares, e um raio cortou o vale, e o trovão ressoou
pelas montanhas em eco. À luz do raio, Cuglas viu centenas de
formas fantasmagóricas partindo em sua direção, murmurando
conforme se aproximavam, e gritos cada vez mais próximos e tão
terríveis que o silêncio da morte seria mais tolerável. Cuglas se
virou para fugir, mas eles o cercaram e pressionaram as mãos
meladas em seu rosto.
Com um grito de horror, ele empunhou a espada e a
movimentou ao redor dele, e naquele momento as formas
desapareceram, o trovão se calou e a nuvem negra passou, e o
sol brilhou forte como em um dia de verão, e então Cuglas soube
que as formas que tinha visto eram aquelas dos selvagens do
vale.
Com coragem renovada, ele passou pelo vale, e depois de
três ou quatro caminhos sinuosos chegou a um deserto. Assim
que pisou no deserto, escutou uma batida atrás dele mais alta do
que o trovão. Olhou ao redor e viu que as faces da montanha
pela qual tinha acabado de passar tinham caído no vale, e o
haviam enchido tanto que ele não conseguia mais dizer onde o
vale estava.
O sol castigava o deserto, e a areia estava quase tão
escaldante quanto brasas; e conforme Cuglas seguia adiante,
seu corpo se tornou seco, a língua grudou no céu da boca, e
quando a sede estava no ápice, uma fonte de água cristalina
surgiu na planície quente a poucos passos; mas, quando ele se
aproximou muito e estendeu as mãos secas para esfriá-las na
água, a fonte desapareceu tão repentinamente quanto tinha
aparecido. Com muita dor, e quase engasgando de calor e sede,
ele seguiu em frente, e mais uma vez a fonte apareceu adiante e
mudou de lugar, quase a seu alcance. Afinal ele chegou ao fim
do deserto, e viu um monte verde à frente em um caminho que
ele vencia; mas ao alcançar a beira do monte, ali, sentado em
seu caminho, estava uma linda fada estendendo para ele um
copo de cristal, de cuja borda fluía água clara e cristalina. Sem
conseguir resistir à tentação, o príncipe segurou a taça fria e
brilhante para beber água. Quando fez isso, matou sua sede,
mas a fada, o monte verde e o deserto quente desapareceram, e
ele estava de pé na floresta atrás do palácio da rainha fada.
Naquela noite, a rainha voltou, e no banquete, ela conversou
alegremente com o príncipe, como se não soubesse de sua
tentativa de deixar a Ilha Flutuante, e o príncipe conversou tão
alegremente quanto pôde com ela, apesar de, em seu peito,
guardar tristeza ao se lembrar de que, se ao menos tivesse
conseguido recusar o copo de cristal, naquele momento estaria
no salão do banquete real de Tara, sentado ao lado da Princesa
Ailinn.
E ele achou que o banquete nunca terminaria; mas
finalmente terminou, e o príncipe voltou para seus aposentos.
Naquela noite, antes de dormir, ele manteve os olhos fixos na
janela; mas as horas se passaram e não havia sinal de ninguém.
Por fim, quando ele já não tinha esperança de vê-la, ele escutou
uma batida na janela, então se levantou e a abriu, e a
mulherzinha entrou.
— Você fracassou de novo hoje — disse ela —, fracassou
bem no momento em que estava prestes a pisar nos montes
verdes de Erin. Posso te dar só mais uma chance. Será a última.
A rainha sairá para caçar de manhã. Participe da caçada, e
quando estiver separado do resto do grupo na mata, prenda as
rédeas no pescoço de seu cavalo e ele o levará à beira do lago.
Em seguida, lance esta adaga dourada no lago na direção do
continente, e uma ponte dourada surgirá, sobre a qual você pode
passar em segurança para os campos de Erin; mas tome cuidado
e não empunhe sua espada, pois se fizer isso, seu cavalo o
levará de volta à Ilha Flutuante, e você terá que permanecer aqui
para sempre. — Em seguida, entregando a adaga ao príncipe e
dizendo adeus, a mulherzinha desapareceu.
Na manhã seguinte, a rainha e o príncipe, juntamente à toda
a corte, foram caçar, e um cervo branco disparou à frente deles,
e o grupo real partiu logo atrás. O cavalo do príncipe correu mais
do que os outros, e em pouco tempo chegou à beira do lago.
Então, o príncipe lançou a adaga na água, e uma ponte
dourada surgiu até o continente, e o cavalo galopou por ela, e
quando o príncipe já tinha atravessado mais da metade, viu,
correndo em sua direção, um guerreiro carregando um capacete
de prata, levando no braço esquerdo um escudo de prata,
segurando na mão direita uma espada reluzente. Ao se
aproximar, ele bateu no escudo com a espada e desafiou o
príncipe à batalha. A espada do príncipe quase pulou da bainha
àquele som e, como um verdadeiro cavaleiro de Tara, ele partiu
para cima do inimigo. E erguendo a espada acima da cabeça,
com um golpe, ele acertou o capacete prateado, e o guerreiro
desconhecido caiu do cavalo e aterrissou na ponte dourada. O
príncipe, feliz com sua conquista, virou o cavalo para passar pelo
guerreiro caído, mas o cavalo se recusou a se mexer, e a ponte
se quebrou em dois quase a seus pés, e a parte dela entre ele e
o continente desapareceu dentro do lago, levando consigo o
cavalo e o corpo do guerreiro. Antes que o príncipe conseguisse
se recuperar da surpresa, o cavalo se virou e galopou de volta, e
ao chegar à terra, correu em meio à floresta, e o príncipe não
conseguiu dominá-lo antes de chegar à entrada do palácio.
Durante toda aquela noite, o príncipe ficou acordado na
cama com os olhos fixos na janela, mas nenhuma sombra se
lançou ao chão, ele não ouviu nenhuma batida na janela e, com o
coração pesado, ele se uniu ao grupo de caça pela manhã. Os
dias foram se passando e seu coração ficava cada vez mais
triste, e ele deixou de sentir prazer nas alegrias e prazeres da
terra mágica. Quando tudo no palácio ficava calmo, ele passava
pela floresta, sempre pensando na Princesa Ailinn, torcendo
muito para que a mulherzinha aparecesse para ele de novo, mas
por fim ele começou a ficar desesperado pensando que nunca
mais a veria. Certa noite, por acaso, ele foi tão longe que se viu à
beira do lago, no exato ponto do qual a ponte dourada tinha
surgido cobrindo as águas, e ao observá-lo com esperança, viu
um barco aparecer e se aproximar depressa da margem, e quem
mais poderia estar dentro dele a não ser a mulherzinha?
— Ah, Cuglas, Cuglas — disse ela. — Eu lhe dei três
chances, e você fracassou em todas.
— Eu deveria ter aguentado a dor causada pela garra do
monstro — disse Cuglas. — Deveria ter aguentado a sede no
deserto e recusado o copo de cristal da mão da fada; mas nunca
conseguiria olhar para os nobres e líderes de Erin se tivesse me
recusado a enfrentar o desafio à batalha na ponte dourada.
— E você não seria um verdadeiro guerreiro de Erin, não
seria digno da moça que o ama, a formosa Princesa Ailinn, se
tivesse fugido — disse a mulherzinha —, mas por causa de tudo
isso, você nunca voltará aos belos montes de Erin. Mas animese, Cuglas, pois há caminhos verdes, trilhas na floresta e
caramanchões confortáveis na terra mágica. Por mais solitários
que sejam, eu sei, pelos seus olhos — disse ela, e então sorriu
um sorriso tão mágico quanto o tremor da superfície do rio
quando o verão chega. — Mas talvez você não os considere
solitários para sempre.
— Você acha que me esquecerei de Ailinn pela rainha fada
— disse Cuglas, suspirando.
— Não acho nada disso — disse ela.
— Então, o que quer dizer? — perguntou o príncipe.
— Quero dizer o que estou dizendo — disse a mulherzinha.
— Mas não posso ficar parada aqui a noite toda falando com
você; e, de fato, você deve ir dormir. Por isso, agora, boa noite.
Não tenho mais nada a dizer, exceto que, talvez, se você estiver
aqui esta semana nesse mesmo horário, quando a lua estiver
sobre as águas, você verá… Mas não importa o que verá, eu
preciso ir embora — disse ela.
E antes que o príncipe pudesse dizer outra palavra, o barco
partiu da margem, e ele ficou sozinho. Voltou ao palácio e
adormeceu naquela noite, e sonhou com a Princesa Ailinn.
Quanto à princesa, ela percorria o palácio de Tara, pálida, e
os olhos, que antes eram tão brilhantes que seriam capazes de
acabar com a escuridão, como faz uma estrela, perderam quase
todo o lustro, e as sanguessugas do rei não puderam fazer nada
por ela e, por fim, eles perderam toda a esperança, e o rei e a
rainha de Erin, assim como as moças da corte, ficaram à beira de
seu leito noite e dia esperando por seu suspiro final.
Finalmente, um dia, quando o sol brilhava forte na terra de
Tara, e sua luz, suavizada pelas cortinas, adentrava o aposento
da enferma, os observadores reais notaram uma linda mudança
no rosto da princesa; o florescer do amor e da juventude tomava
seu rosto, e de seus olhos brilhava a mais antiga, suave e linda
luz, e eles então começaram a torcer para que ela se
recuperasse para eles, quando, de repente, o quarto ficou na
escuridão como se a noite tivesse tomado o céu e encoberto o
sol.
Então, eles escutaram o som de música mágica, e na cama
onde a princesa estava deitada, viram um feixe de luz dourada,
mas apenas por um momento; mais uma vez, depois disso, viuse a perfeita escuridão, e a música mágica desapareceu. Depois,
da mesma forma repentina como chegara, a escuridão
desapareceu, e a luz fraca do sol voltou a entrar no quarto,
pousando na cama; mas a cama estava vazia, e os observadores
reais, trocando olhares, disseram, sussurrando:
— As fadas levaram a Princesa Ailinn embora para a terra
mágica.
Bem, naquele mesmo dia, o príncipe caminhou sozinho pela
floresta, contando as horas até o dia desaparecer no céu e a lua
aparecer alta, e, por fim, quando brilhava bem acima das águas,
ele desceu à beira do lago e olhou por cima da superfície
brilhante, observando para encontrar a visão prometida pela
mulherzinha. Mas ele não conseguiu ver nada, e estava prestes a
se virar quando ouviu o som baixo de música mágica. Ouviu com
atenção, e o som se aproximava e ficava mais claro, e à
distância, como gotas de água reluzindo na superfície do lago,
ele viu uma frota de barcos mágicos, e pensou ser a rainha fada
navegando ao luar. E era a rainha fada, e logo ele conseguiu
reconhecer a embarcação real guiando as outras, e quando se
aproximou da margem, viu a mulherzinha sentada na proa entre
os pequenos harpistas, e na popa estava a rainha fada, e ao lado
dela, a dona de seu coração, a Princesa Ailinn. Em um segundo,
o barco estava atracado, e a princesa estava nos braços dele. E
ele a beijou muitas vezes.
— E você não vai me dar um beijo? — perguntou a
mulherzinha, batendo na mão dele com a pequena adaga
dourada.
— Tenho mais de um — disse Cuglas, ao pegar a fadinha
nos braços.
— Ah, fora, Cuglas — disse a rainha.
— Ah, a princesa não está com ciúme — disse a
mulherzinha. — Está, Ailinn?
— De fato, não estou — disse Ailinn.
— E não deve sentir ciúme — disse a rainha fada —, pois
nenhuma moça tem um cavaleiro tão leal quanto Cuglas. Eu o
amei e amo muito. Eu o atraí aqui na esperança de que, nas
alegrias da terra mágica, ele pudesse esquecê-la. Foi tudo em
vão. Sei que agora existe uma coisa que nenhum poder mágico
acima ou abaixo das estrelas, ou dentro da água, poderia vencer,
e é o amor. E aqui, juntos para sempre, você e Cuglas viverão,
onde a velhice nunca os alcançará, e onde a dor, o pesar ou a
doença são desconhecidos.
E Cuglas nunca mais voltou aos montes mágicos de Erin, e
muito tempo se passou desde a manhã em que ele seguiu os
cães para dentro da caverna fatal, mas essa história foi lembrada
ao redor das fogueiras e, às vezes, ainda hoje, o pastorzinho que
cuida do gado nos pastos ouve o uivo estridente de cães, e o
segue até chegar a uma caverna escura e, com o mesmo medo,
ele ouve o som se tornando mais e mais fraco, ouve o bater de
cascos no chão de pedra, e até hoje a caverna leva o nome do
príncipe que ali entrou e nunca saiu.
Escrito por Rienha Gilrasdaeron
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